sexta-feira, 27 de novembro de 2015

SALVAÇÃO ANTIGA E MODERNA


Souvenirs des Andes (Tela da artista plástica colombo-canadense Janeth Rodríguez). Foto: arquivo particular.
Caros alunos, Boas Festas para vocês e as suas famílias! Espero que a nossa viagem intelectual, ao longo do semestre que ora finda, tenha sido interessante para vocês. Para mim, como sempre digo aos meus alunos, foi uma viagem que valeu a pena. Aprendi com as suas perguntas, com as suas inquietações, com a sua agitação cibernética em sala de aula, com as suas dúvidas e insatisfações. No próximo semestre tentarei ser um melhor mestre, graças a tudo isso!.

Vai, como lembrança de fim de ano, nesta antevéspera das Festas Natalinas, um reflexão filosófico-mítica. Grande abraço!

A expectativa da salvação acompanha ao ser humano desde os seus primórdios. Exprimiu-se originariamente essa tendência nos mitos soteriológicos, que são tão antigos quanto a própria Humanidade. Segundo a hipótese geralmente aceita, somos tributários da espécie sapiens sapiens, que apareceu por volta de 100.000 anos atrás. Ora, ao longo da maior parte desse período, o sentido da vida humana esteve pautado pelos mitos, sendo que, nos últimos 2.500 anos, apenas, consolidou-se uma representação de tipo lógico-dedutivo para a nossa presença no Planeta. Portanto, em pelo menos 97.500 anos vigorou, sozinha, a representação mítica, como bússola que explicava o que acontecia. Não é de estranhar, assim, que os mitos exerçam ainda grande fascinação sobre o imaginário do homem, como de maneira muito clara deixou explicado Leszek Kolakowski na sua obra A presença do Mito (Brasília: Un. B., 1985).

Ciência e Filosofia surgiram 500 anos antes de Cristo, na Jônia, no Mediterrâneo Oriental, nos ensinamentos dos Pre-socráticos, os primeiros a elaborarem uma cosmovisão pautada pela razão, como tradução das tipologias originárias dos mitos. Ao contrário do que pensavam os racionalistas, a representação mítica não foi abolida nem pela ciência nem pela filosofia. Immanuel Kant, o maior filósofo da era moderna, destacou, na sua Crítica da Razão Pura (tradução de Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão, Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1985) , que a nossa mente é, apenas, faculdade ordenadora do real, não podendo, portanto, a busca da verdade ser desenvolvida senão a partir da experiência. Caberia, portanto, à razão, o importante (mas limitado) papel de organizar racionalmente os dados hauridos da experiência, a partir das categorias a priori do entendimento puro. No entanto, o gênio de Königsberg deixava uma porta aberta para a imaginação fabuladora: a denominada, por ele, de razão dialética, aquela de que fazemos uso quanto, cansados do cotidiano conhecer sensorial, nos alçamos ao reino sedutor da fantasia, e tecemos representações que estariam de acordo com os nossos segredos anseios de imortalidade, de ordem, de beleza. É aí que emerge a representação metafísica, que se espraiou, ao longo dos últimos vinte séculos, na seara da arte, da religião e da filosofia, como acertadamente pensou o mais importante discípulo de Kant, Georg Wilhelm Hegel.

Nós, homens do século XXI, precisamos dos mitos. Eles alimentam o imaginário popular e dão vestes às nossas crenças fundamentais. Eles são formatadores do nosso agir, pois, seguindo o pensamento de Ortega, agimos menos em função daquilo que pensamos, e mais em decorrência daquilo em que acreditamos. O mito soteriológico que pautou a civilização ocidental é o da encarnação do Filho de Deus em Belém. Ele emerge de um fato histórico essencial, que dividiu em dois a contagem do tempo humano: o nascimento de Jesus, na manjedoura, naquela fria noite dessa afastada cidadezinha da província da Judéia, Belém, submetida ao governador romano Cirino, da Síria. Santo Agostinho, na sua Cidade de Deus, deu caráter sistemático ao relato bíblico, fazendo girar o redor do mesmo a gesta salvadora do Cristianismo. A partir da reflexão dos Santos Padres, que recolheram a tradição presente nos Evangelhos, estruturou-se o anúncio da boa nova: Jesus, Filho de Deus, nasceu, morreu e ressuscitou, e com a sua ressurreição garantiu o nosso acesso à salvação. Essa é a essência da pregação cristã primitiva, aquela em que foram evangelizados os Bárbaros, que fizeram implodir, com as suas multitudinárias invasões, o decadente Império Romano. Queiramos ou não, a Civilização Ocidental é fruto dessa pregação que, como destacou François Guizot na sua História da civilização européia (1827), veio compor a dialética que explica a história da Idade Média, estruturada, segundo ele, ao redor do binômio: ordem romana-liberdade bárbara. A partir da pregação do Cristianismo e da sua disseminação pela Europa afora e, daí, para o resto do mundo, estruturaram-se os valores fundamentais da Civilização Ocidental, dentre os que se destacam o culto à razão e o respeito à pessoa humana, como centro da vida social. Retomando a herança do Cristianismo, Immanuel Kant soube conferir, à moral moderna, um fundamento que traduzia esse valor essencial de respeito à pessoa humana, no imperativo categórico que reza assim: trata sempre a pessoa como fim e nunca como meio.

Mas é também o culto à razão um dos valores fundantes da Civilização Ocidental. Essa é a herança helenística, que se vinculou, em Alexandria, entre o I e o III séculos, ao legado da tradição judaico-cristã de valorização da pessoa. Santo Agostinho, com a sua filosofia da história que quebrou a concepção cíclica do tempo e a substituiu pela visão linear e progressista, foi um dos que contribuíram para essa criadora mistura de que emergiu o painel de valores fundamentais do Ocidente. Depois, na Idade Média, encontramos a valiosa contribuição de Santo Tomás de Aquino, com a sua teoria da pessoa, entendida como “substância individual de natureza racional”. A pessoa humana, individualizada, esse é o centro de atenção que deve prevalecer na sociedade. Nela ancoram os direitos fundamentais à vida, à liberdade, às posses (como depois, no século XVII, pensou John Locke, pai da filosofia liberal, no seu clássico Segundo tratado acerca do governo civil, publicado em 1689). A salvação do homem, na temporalidade, a sua verdadeira libertação, foi entendida como desenvolvimento livre da consciência individual e como criação das instituições sociais que garantiriam, a todos os nossos semelhantes, o seu crescimento como seres livres e conscientes.

Na modernidade, em pleno século XVIII, Jean-Jacques Rousseau, no seu Contrato social, pensou uma outra modalidade de libertação. O homem, naturalmente bom, é corrompido pela sociedade. Deve ser purificado do vício do individualismo, mediante uma catarse que elimine todos os traços de egoísmo presentes na defesa dos interesses individuais, para renascer e se transformar em “homem novo”, mediante a purificação exercida, sobre ele, pelos “puros”, aqueles que renunciaram aos seus interesses individuais para se identificarem com o “bem público”. Potencializadas essas idéias de uma gnose salvadora mediante o poder total, exercido por uma minoria sobre o resto da sociedade, surgiu, pela mão de Saint-Simon, na sua obra O novo cristianismo, no início do século XIX, o messianismo político moderno, que, no século XX, se sobrepôs ao ideal cristão de uma libertação centrada na autoconsciência e na liberdade individual, para tornar todos os homens reféns do poder total exercido por uma minoria. As experiências totalitárias de que o século XX é trágica testemunha vieram encarnar essa nova modalidade “salvífica”, que nega a liberdade e a consciência da pessoa. Onde quer que encontremos, hoje, um partido político, uma seita ou um governo, que nos apresenta o ideal da felicidade social como fruto do constrangimento da liberdade e da autoconsciência, exercido sobre as pessoas por um aparelho burocrático, devemos reconhecer a imagem deformada da salvação ao estilo de Rousseau et caterva. Isso vale para os aiatolás iranianos, para os teólogos da libertação (Ernesto Cardenal, Leonardo Boff, frei Betto, etc.), para os comunistas cubanos e de outras latitudes e para os populistas latino-americanos, notadamente os lulopetistas, no nosso amado Brasil.

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Leitura 11ª -PENSADORES RENASCENTISTAS: GALILEU GALILEI


A meditação filosófica da Renascença é rica e variada. Poderíamos destacar uma característica marcante do pensamento nesse período: a sua ânsia de renovação e de expansão, livre já do controle teológico que vingou na Idade Média, notadamente durante o século XIII. A filosofia, a arte, a ciência, a política, sentem-se desimpedidas para trilhar o seu próprio caminho. A Renascença é o eclodir desse surto de criatividade e de liberdade.

Os ideais desse período são sintetizados no chamado Humanismo. Em que consiste esse fenômeno? Ivan Lins (1904-1975) responde na sua obra Erasmo, a Renascença e o Humanismo (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,  1967, p. 96): "Consiste no estudo das boas letras e, particularmente, das letras gregas e latinas. Deve-se, entretanto, notar, com Brentano, que, em fins do século XV, quando adquiriu pleno surto, consistiu o humanismo, essencialmente, no cultivo dos conhecimentos que visavam à felicidade e ao aperfeiçoamento do homem, em oposição às cogitações dos teólogos, os quais, voltados para Deus, consideravam a Terra passageiro exílio. Dessa oposição típica entre o homem e Deus, entre a Terra e o Céu, tirou o humanismo o seu nome".

Representante significativo do pensamento Renascentista foi Galileu Galilei. Nasceu em Pisa, em 1564. Matriculou-se na Escola de Artes da sua cidade, em 1581, com a finalidade de estudar medicina. Contudo, não terminou o curso e dedicou-se aos estudos da matemática, que eram os seus prediletos, ao lado da observação dos fenômenos físicos. Em 1589 foi nomeado catedrático de matemática na Universidade de Pisa. Em 1604, após longos períodos de experimentação na Torre Inclinada da cidade natal, Galileu formulou a lei da queda livre dos corpos, elemento básico para a mecânica racional. Em 1610 deu início às suas observações astronômicas e passou a trabalhar em Florença, sendo protegido de Cosimo II de Médici. A descoberta, por Galileu, das manchas solares, acarretou para ele a ira dos teólogos, porquanto a hipótese do nosso autor colocava em risco a suposição da harmonia cósmica e da perfeição dos corpos que integravam as camadas superiores do Céu, que deveriam ser constituídos de “matéria pura”, sem manchas. As autoridades vaticanas obrigaram-no a não mais ensinar as teorias de Copérnico, bem como as hipóteses levantadas sobre as manchas solares. Durante algum tempo Galileu ficou calado. Mas, em 1623, após polêmica com um padre jesuíta acerca da natureza dos cometas, Galileu voltou a insistir nas suas observações, criticando acirradamente as observações de Aristóteles acerca do cosmo. Os teólogos romanos voltaram à carga, obrigando Galileu a se apresentar no Tribunal do Santo Ofício. Condenado pela Inquisição romana em junho de 1633, nosso autor foi obrigado a abjurar acerca das suas teorias científicas, a fim de não sofrer a tortura a que tinha sido submetido, em 1600, outro grande cientista e pensador, Giordano Bruno. Recolhido à sua casa, o nosso autor dedicou-se, nos últimos anos de vida, a reescrever alguns dos seus livros. Faleceu em 1642.

Estas são as principais obras de Galileu: Defesa contra as calúnias e imposturas de Baldessar Capra (1607), Mensageiro celeste (1610), Discurso sobre as coisas que estão sobre a água (1612), História e demonstrações sobre as manchas solares (1612), Discurso sobre o fluxo e refluxo do mar (1616), Diálogo sobre os dois maiores sistemas (1623), O Ensaiador (1623), Discurso sobre duas ciências novas (1638).

Elementos fundamentais da filosofia galileana acerca do conhecimento.

Em cinco pontos podem ser resumidos os aspectos fundamentais da Teoria do Conhecimento de Galileu:

1. Aspecto fundamental da contribuição de Galileu: a fundamentação do método científico. Este teria, no sentir do pensador, quatro passos básicos, que seriam, em primeiro lugar, a observação dos fenômenos, tal como estes são apreendidos pelo observador, afastados os preconceitos extracientíficos; em segundo lugar, a formulação da hipótese, como explicação tentativa que deveria ser confirmada; em terceiro lugar, a experimentação, em virtude da qual toda afirmação sobre fenômenos naturais deveria ser verificada, mediante a produção do fenômeno em determinadas circunstâncias, ou mediante a observação sistemática dos fatos objeto da ciência e, em quarto lugar, a formulação da lei, que seria possível graças à identificação de regularidades matemáticas na natureza.

O estudioso brasileiro José Américo Motta Peçanha sintetizou, da seguinte forma, o alcance da contribuição galileana, no terreno da ciência e da filosofia: “Formulando esses princípios, Galileu estruturou todo o conhecimento científico da natureza e abalou os alicerces que fundamentavam a concepção medieval do mundo. Destruiu a idéia de que o mundo possui uma estrutura finita, hierarquicamente ordenada, e substituiu-a pela visão de um universo aberto, indefinido e até mesmo infinito. Em lugar de conceber o mundo como dividido em duas partes, uma superior, constituída pelo Céu, e outra inferior, a Terra em que vive o homem, mostrou que todos os objetos físicos devem ser concebidos como sendo da natureza e tratados de modo idêntico, pelo menos por aqueles que desejam conhecer cientificamente o Universo. Pôs de lado o finalismo aristotélico, segundo o qual tudo aquilo que ocorre na natureza ocorre para cumprir desígnios superiores; e mostrou que a natureza é, fundamentalmente, um conjunto de fenômenos mecânicos, tal como afirmara Demócrito na Antigüidade. Demonstrou o engano do espírito puramente lógico e dedutivo da filosofia aristotélico-escolástica, quando aplicado à explicação dos fenômenos físicos. E mostrou, finalmente, que o livro do universo está escrito em caracteres matemáticos e que sem um conhecimento dos mesmos, os homens não poderão compreendê-lo” [José Américo Motta Peçanha, “Galileu, vida e obra”, in: Galileu, O Ensaiador, tradução de Helda Barraco et alii, São Paulo: Nova Cultural, 1987, pg. VIII-IX].

2. Adoção do ponto de vista cinemático, que antecipava a perspectiva transcendental kantiana, o que tornou Galileu o fundador da física moderna. O ponto de vista cinemático é caracterizado pelo físico e filósofo belga Jean Ladrière em dois pontos: em primeiro lugar, interesse centrado no estudo dos fenômenos observados, mediante o método experimental e a matematização dos dados obtidos; em segundo lugar, abandono definitivo da preocupação em torno às causas dos fenômenos, que remeteria à existência de uma substância oculta sob os mesmos.

Galileu firmou, no terreno das ciências, uma nova maneira de abordar os fenômenos, não como véus que ocultam a substância, na busca de uma pretensa realidade metafísica (tá metà tà fysikà), mas como algo que deve ser observado e que constitui o real apreendido pelos nossos sentidos. A propósito dessa contribuição galileana, escreveu José Américo Motta Peçanha: “Galileu tornou-se o criador da física moderna, quando enunciou as leis fundamentais do movimento; foi também um dos maiores astrônomos de todos os tempos, pelas observações pioneiras que fez com o telescópio. Essas descobertas, contudo, foram resultado de uma nova maneira de abordar os fenômenos da natureza, e nisso reside sua importância dentro da história da filosofia. No campo das idéias filosóficas, Galileu é mais importante pelas contribuições que fez ao método científico, do que propriamente pelas revelações físicas e astronômicas encontradas em suas obras” [Motta Peçanha, ob cit., p. IX].

3. Valorização das matemáticas como instrumento para o conhecimento científico: Galileu estabeleceu um nexo indissolúvel entre ciência e matematização da natureza. As matemáticas, segundo o pensador, aproximariam a nossa razão do entendimento divino, numa retomada da via mística dos pitagóricos e do neoplatonismo. No entanto, tanto em Galileu como posteriormente em Newton, as matemáticas estavam também inseridas numa exigência epistemológica diferente da cultuada na Antigüidade: se bem esse tipo de conhecimento nos aproximasse da Inteligência Divina, no entanto, elas permitiam a tradução exata dos fenômenos naturais apreendidos pela experiência.

Em relação a essa valorização do conhecimento matemático, Galileu frisava: “O intelecto humano compreende algumas proposições tão perfeitamente e tem tão absoluta certeza, quanto pode ter a própria natureza; e isso ocorre nas ciências matemáticas puras das que o intelecto divino sabe, não obstante, infinitas proposições a mais, pois as sabe todas; mas das poucas entendidas pelo intelecto humano, creio que o seu conhecimento iguala-se à certeza objetiva divina, porque chega a compreender a necessidade, sobre a qual não parece poder existir segurança maior” [Galileu, citado por Rodolfo Mondolfo, in: Figuras e idéias da filosofia na Renascença, tradução de Lycurgo Gomes da Motta, São Paulo: Mestre Jou, 1967, p. 130].

Rodolfo Mondolfo destacou, por sua vez, o caráter de exatidão que as matemáticas possuem segundo Galileu, insistindo em que nesse aspecto, bem como na possibilidade de todos os homens terem acesso a esse tipo de conhecimento, consiste propriamente a “divindade” postulada. A respeito, afirma Mondolfo: “Ao privilégio atribuído pelos místicos aos poucos eleitos que podem chegar ao arroubo do êxtase, substitui-se (...) uma possibilidade aberta a todos os que submetem a sua mente aos processos e métodos do pensamento científico” [Mondolfo, ob. cit., p. 130].

4. Exaltação da liberdade de pensamento, como condição necessária para a ciência. Galileu, bem como os restantes filósofos do período Renascentista, notadamente Giordano Bruno, Leão Hebreu e Leonardo da Vinci, insiste em que, sem liberdade, perde-se o maior bem que um homem pode ter na face da Terra: o conhecimento das leis da natureza como manifestações da presença divina no Cosmo e o reconhecimento, no próprio homem, de que na luz da razão, livremente exercida, reside a sua maior dignidade.

5. Defesa da ética do cientista: buscar diuturnamente a verdade científica e comunicá-la com fidelidade aos seus semelhantes. Esse é o tema que prevalece na obra de Galileu, O Ensaiador. No seguinte trecho dessa obra, o pensador e cientista italiano deixa claro que, para fazer ciência, é necessário se afastar do argumento de autoridade e da busca pura e simples da popularidade, a fim de partir, com coragem, para a exploração da natureza, para interpretar os fenômenos da mesma com a ajuda da matemática. Frisa a respeito Galileu, ao rebater as maquinações de Lotário Sarsi, um dos seus detratores: “Parece-me também perceber em Sarsi sólida crença que, para filosofar, seja necessário apoiar-se nas opiniões de algum célebre autor, de tal forma que o nosso raciocínio, quando não concordasse com as demonstrações de outro, tivesse que permanecer estéril e infecundo. Talvez considere a filosofia como um livro e fantasia de um homem, como a Ilíada e Orlando Furioso, livros em que a coisa menos importante é a verdade daquilo que apresentam escrito. Senhor Sarsi, a coisa não é assim. A filosofia encontra-se escrita neste grande livro que continuamente se abre perante nossos olhos (isto é, o universo), que não se pode compreender antes de entender a língua e conhecer os caracteres com os quais está escrito. Ele está escrito em língua matemática, os caracteres são triângulos, circunferências e outras figuras geométricas, sem cujos meios é impossível entender humanamente as palavras; sem eles nós vagamos perdidos dentro de um obscuro labirinto” [Galileu, O Ensaiador, ob. cit., p. 21]


quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Leitura 10º - A ESCOLÁSTICA E A FORMULAÇÃO DA NOÇÃO DE PESSOA. O JUSNATURALISMO MEDIEVAL E A SUA HERANÇA NA MODERNIDADE

Nesta leitura vão ser destacados dois pontos: em primeiro lugar, a filosofia de Santo Tomás de Aquino (1225-1274), o grande sistematizador da meditação escolástica na Idade Média. Em segundo lugar, será ilustrada a aproximação da tradição escolástica à metafísica da modernidade e às ciências da natureza e do homem, no decorrer do final do século XVI e primeiras décadas do XVII, efetivada principalmente pelo jesuíta espanhol Francisco Suárez (1548-1617).

SANTO TOMÁS DE AQUINO (1225-1274)

Tomás de Aquino nasceu na Itália, em 1225. Pertencia à nobreza; seu pai, descendia de uma estirpe longobarda, estabelecida na Itália desde o século VII; sua mãe pertencia a uma estirpe normanda, que se fixou na Itália a partir do século XI. Completados os seus estudos de artes liberais (gramática, dialética, retórica, geometria, aritmética, música astronomia) em Nápoles, entrou na ordem dos Dominicanos, contra a vontade da família, que só mais tarde deu consentimento. Em seguida, Tomás deixou a Itália e se estabeleceu em Colônia, onde completou os seus estudos filosóficos e iniciou os teológicos. Discípulo predileto de Alberto Magno (1193-1206), ao término dos estudos teológicos Tomás de Aquino foi por ele indicado para lecionar na Universidade de Paris; conseguiu a cátedra por interferência direta do Papa Alexandre IV, já que os dirigentes da Universidade eram contrários à concessão de cátedras a religiosos.

Foi durante sua estada em Paris que Tomás de Aquino escreveu os Comentários aos livros de BoécioDe hebdomadibus De trinitateQuaestiones de veritate, algumas Quaestiones quodlibetales e os opúsculos De principiis naturae De ente et essentia; e iniciou a Summa contra Gentiles. Sua autoridade intelectual já era conhecida, tanto que durante o Capítulo Geral da Ordem, em 1259, Tomás de Aquino foi incumbido de elaborar uma proposta normativa de estudos para os estudantes dominicanos. Em seguida, enviado para a Itália, passou a ocupar vários cargos, como o de pregador geral, leitor na corte pontifícia e diretor do Studium no convento de Santa Sabina, em Roma, onde ficou à disposição da corte pontifícia, já que tinha recusado o arcebispado de Nápoles. Durante essa sua estadia na Itália não teve produção filosófica e teológica de destaque; ele, porém, aproveitou o tempo para se dedicar à leitura e à meditação, que iriam permitir sua admirável produção posterior. Contudo, embora não tivesse terminado a Summa contra Gentiles, além de escrever vários opúsculos, como o De regimine principum (dicatum ad Regem Cipri), em 1286 iniciou a Summa Teologiae.

No fim de 1268 foi novamente enviado a Paris, com a incumbência de lecionar no convento de Santiago, para alunos de externado, na tentativa de acalmar a agitação que novamente invadiu a cidade, reacendendo as brigas entre os docentes seculares e os religiosos, estes Franciscanos e Dominicanos. É nessa oportunidade que se manifestaram, com maior clareza, as diferentes tendências: os Franciscanos, mais tradicionais e mais místicos, seguindo a doutrina de Santo Agostinho (354-430); os Dominicanos, mais inovadores e mais especulativos, seguindo a doutrina aristotélica. Nessa oportunidade, o aristotelismo dos dominicanos foi confundido com o aristotelismo averroista, difundido por Siger de Brabante (1240-1280); assim que Tomás de Aquino teve que se defender tanto dos Franciscanos como dos averroistas, e escreveu o tratado intitulado: De unitate intellectus contra averroistasA atividade intelectual de Tomás de Aquino, neste período, foi extraordinária. Além de lecionar teologia, teve que se debruçar sobre as obras de Aristóteles, e, sobretudo, além de escritos menores, como outras Quaestiones disputatae (De anima, De malo, De virtutibus) e outras Quodlibetales, terminou a Summa contra Gentiles e a segunda parte da Summa Theologiae

Em 1272, depois da Páscoa, encontrando-se em greve a Universidade de Paris, Tomás de Aquino foi enviado novamente para a Itália, onde o Capítulo Provincial o encarregou de organizar o Studium generale, em Nápoles. Nessa cidade dedicou-se também ao ensino na Universidade, atendendo ao desejo de Carlos I de Anjou (1226-1285), rei de Sicília e Nápoles, que queria reerguer essa instituição. Em Nápoles, Tomás de Aquino pôde terminar a Summa Theologiae e iniciar outros trabalhos, que ficaram incompletos, como De substantiis separatis e o Compendium Theologiae. Em 1274, a caminho de Lião, aonde ia para participar do Concílio, por desejo do Papa Gregório X (1210-1276), faleceu na abadia cisterciense de Fossanova. Tendo gozado sempre de boa saúde, não se encontrou explicação para sua morte prematura, aos 49 anos. A Universidade de Paris reclamou seu corpo, mas o Papa Urbano V (1310-1370) preferiu prestigiar a Universidade de Tolosa, para onde foi transladado em 1369. Os doutores de Paris o apelidaram de Doctor Communis, mas o título que vingou foi o que lhe atribuíram os séculos posteriores, o de Doctor Angelicus.

Em quatorze itens podemos sintetizar a doutrina filosófico-teológica de Tomás de Aquino, bem como a influência por ele ensejada na escolástica ibérica dos séculos XVI e XVII:

1 – O ponto de partida da doutrina tomista é a distinção entre essência e existência, que estava presente em Aristóteles, como distinção puramente conceitual, mas que Tomás de Aquino entende como ontológica. Assim, o pensador se distancia do pensamento dos que, na Antigüidade Clássica, entendiam o mundo como manifestação intramundana da divindade, sacralizando as forças da Natureza.

2 – Distinção real entre essência e existência, como fundamento metafísico da contingência (limitação e finitude) das criaturas humanas. Torna-se possível, a partir daí, a idéia cristã de criação. Tudo o que está contido na definição de uma coisa não pertence a essa coisa essencialmente, mas acidentalmente, por força de outra realidade. A definição da essência das criaturas não implica sua existência e, portanto, elas não existem por si mesmas, e sim devido a outra realidade (“ab alio”). O Cosmo só se explicaria como criado por Deus, a partir do nada.

3 – Somente em Deus há identidade entre essência e existência. Deus existe por si mesmo, o que teria sido revelado, por Ele mesmo, a Moisés, na passagem bíblica em que se define como: “Eu sou Aquele que é”. Deus é criador de todas as coisas e fundamento das suas existências finitas. Deus é o puro ato de existir.

4 – A razão humana pode provar a existência de Deus através de cinco vias, de cunho realista (alicerçadas na experiência). Em geral, parte-se de algum aspecto da realidade conhecida pelos sentidos, que é considerado como efeito do qual se deve procurar a causa.

  • Primeira via: no Universo existe movimento; ora, segundo Aristóteles, “tudo o que se movimenta é movimentado por outro”, logo deve haver uma causa primeira de todo o movimento dos seres finitos que integram o Cosmo, e essa causa é o Motor Imóvel, Deus.
  • Segunda via: todas as coisas ou são causas, ou são efeitos, não podendo ser admitida uma coisa que seja causa de si mesma (pois seria uma contradição: causa e efeito ao mesmo tempo). De outro lado, toda causa deve ter sido causada por outra, esta por uma terceira e assim indefinidamente. É necessário, pois, admitir uma causa não causada, Deus, ou aceitar, de forma contraditória, uma série infinita de causas, sem explicar a causalidade que lhes deu origem.
  • Terceira via: Todos os seres do Cosmo estão em permanente transformação: alguns são gerados, outros morrem ou se corrompem, deixando de existir. Ora, poder ou não existir não é possuir uma existência necessária e, sim, contingente, já que aquilo que é necessário não precisa de uma causa exterior a ele para existir. Portanto, se alguma coisa existe é porque participa do necessário. Este, por seu turno, pressupõe uma cadeia de causas, que culmina e encontra sentido no necessário absoluto, Deus.
  • Quarta via: em todas as perfeições apreciáveis no Cosmo há graus de perfeição (na sua bondade, na verdade, na nobreza, etc.). Ora, como ensinava Platão, as perfeições finitas pressupõem, em última instância, uma perfeição infinita. Deve existir, portanto, uma verdade e um bem em si, necessários e eternos: Deus.
  • Quinta via: de acordo com o finalismo aristotélico assumido por Tomás de Aquino, todas as coisas possuem uma finalidade. Ora, a regularidade com que todas as coisas do Cosmo atingem o seu fim, está a indicar que elas não são movidas pelo acaso, existindo, no começo de tudo, um Ordenador Universal, que é uma Inteligência primeira, ordenadora da finalidade das coisas, Deus.

5 – O homem, elo do Cosmo, entre as esferas espiritual e material. Na hierarquia descendente das criaturas, o homem aparece como pertencendo a dois mundos: graças à sua alma, pertence aos seres imateriais, não chegado a ser, contudo, uma inteligência pura, pelo fato de se encontrar essencialmente vinculado ao corpo. Nexo substancial do Cosmo, o homem é menos um elemento do mundo, do que um novo mundo, no qual se sintetiza a totalidade. A alma humana é, portanto, um horizonte onde se encontram o mundo dos corpos e o dos espíritos.

6 – Graças a essa dupla natureza, o homem pode conhecer (pois é alma espiritual), sem, no entanto, ter contato direto com o inteligível (pois é também corpo). O nosso conhecimento sempre parte dos sentidos, que nos põem em contato com objetos concretos e singulares. Mas, através da abstração, o intelecto humano é capaz de forjar conceitos universais. Tomás de Aquino, como se pode ver, adota as linhas mestras da teoria do conhecimento de Aristóteles, que se fundamenta na doutrina metafísica do ato e da potência. O intelecto pode gerar conceitos abstratos e universais, porque não é um simples espelho passivo, que recebe e registra os dados dos sentidos. Pelo contrário, o processo intelectual é movido pelo “intelecto agente”, que é responsável pela abstração. As noções de finalidade e de hierarquia, herdadas de Aristóteles, aparecem novamente na teoria do conhecimento de Tomás de Aquino. Embora, do ângulo psicológico, o conhecimento comece no plano corpóreo (através dos sentidos), na verdade todo o processo é comandado pelo fim, presente no plano incorpóreo, espiritual, que é a dimensão ontológica onde se situa o intelecto agente, responsável último pela atualização da inteligibilidade e da universalidade potenciais dos dados fornecidos pela via sensorial.

7 - A noção de pessoa, na Suma teológica, constitui o conceito fundamental da concepção antropológica de Tomás de AquinoO pensador define a pessoa como “rationalis naturae individua substantia” (substância individual de natureza racional), partindo da definição cunhada por Anício Mánlio Boécio (480-524) sobre fontes gregas e helenísticas. Tal noção foi reformulada por Tomás de Aquino tomando por base os grandes temas do Cristianismo, recorrendo aos autores que os discutiram, notadamente Santo Agostinho. Uma outra fonte de inspiração é constituída pelas idéias de Aristóteles (384-324 a.C), a partir da tradução dos escritos do filósofo grego por Guilherme de Moerbecke (1215-1286).

A obra fundamental de Tomás de Aquino, Suma Teológica versa sobre quantidade imensa de conceitos e temas, estudados de modo autônomo, sem outro fio condutor além de que dizem respeito à doutrina cristã. Do ângulo da antropologia filosófica é importante o texto que aparece com o título de Tratado do homem (Questão 93, artigos 1 a 9). O próprio autor enuncia o problema do homem deste modo: “devemos considerar o fim ou termo da produção do homem, enquanto é tido como feito à imagem e semelhança de Deus”. O encadeamento adotado é o seguinte: a - se no homem está a imagem de Deus; b - se a imagem de Deus está nas criaturas irracionais; c - se a imagem de Deus está mais no anjo que no homem; d - se a imagem de Deus está em todo homem; e - se no homem está a imagem de Deus relativamente à essência ou a todas as Pessoas divinas, ou a uma só delas; f - se a imagem de Deus está no homem, quanto ás potências, ou quanto aos hábitos, ou aos atos; g - se relativamente a todos os objetos; h - a diferença entre imagem e semelhança.

Como se vê, trata-se muito mais de Deus que do próprio homem. Contudo, o pensador indica que, ao participar da natureza intelectual, atributo da divindade, reveste-se o homem de dignidade. Ele é centro da criação, pelo fato de ter sido feito à imagem e semelhança de Deus. Embora toda criatura seja uma participação de Deus, no entanto somente o homem e os anjos são possuidores de natureza intelectual, que é causada pelo próprio Deus. Esta dignidade abarca, sem distinção, a todos os seres humanos. Ainda mais: graças à sua natureza intelectual, o homem pode humanizar a natureza, mediante o conhecimento dela e colocando-a ao seu serviço. O homem, mediante a sua inteligência, pode compreender o mundo e construir uma ampla gama de relações que integram o que posteriormente foi chamado de cultura. Finalmente, a pessoa, para Tomás de Aquino, é imagem da Trindade e reveste-se de um caráter absoluto, na medida em que é capaz de chegar, pela inteligência, ao conhecimento de Deus e, pela graça, à clara visão d’Ele. Em que pese o contexto teológico em que se encontram as considerações do autor, é fora de dúvida que, ao enfatizar a dignidade da pessoa humana como uma reivindicação do Cristianismo, Tomás de Aquino permitiu que o Renascimento se contrapusesse frontalmente ao espírito presente nas Mitologias Grega e Romana, de dependência total do homem da “roda cega do destino”. A par disto, ao situar o tema como relevante no contexto da meditação filosófica, o nosso autor contribuiu para mantê-lo na ordem do dia na Filosofia Moderna. O imperativo categórico kantiano – que reivindica para o homem não ser tratado com o meio, mas como fim – seria impensável sem tais antecedentes.

8 – O fim do homem é o aperfeiçoamento da sua natureza, o que somente se realiza em Deus. A finalidade última das ações humanas transcende ao próprio homem, cuja vontade leva-o a se dirigir ao Ser Supremo. Como afirmava Agostinho, “fecisti nos ad Te et inquietum est cor nostrum donec requiescat in Te” (Fizeste-nos para Ti e o nosso coração estará inquieto enquanto não repousar em Ti). Para que possa ser considerada boa, a vontade deve estar conformada à norma moral que se encontra presente, nos homens, como reflexo da Lei Eterna da Vontade Divina. Esta, contudo, não pode ser conhecida diretamente pelos homens, mas apenas de modo indireto, através da lei natural, entendida como lei da consciência humana.

9 - No terreno político, Tomás de Aquino estabelece uma distinção entre três planos da lei, que devem orientar a comunidade na busca do bem comum.

  • Primeiro plano, constituído pela lei natural (que orienta o homem na conservação da vida, na geração e educação dos filhos, no desejo de buscar a verdade).
  • Segundo plano, identificado com as leis humanas ou positivas, que são estabelecidas pelo homem a partir da lei natural e que se dirigem à busca do bem comum.
  • Terceiro plano, constituído pela lei divina, que guia o homem na busca do seu fim sobrenatural, porquanto possuidor de uma alma imortal.

10 - No que tange às relações entre o poder espiritual e o poder temporal, Tomás de Aquino busca um equilíbrio entre essas duas esferas. O Estado (poder temporal) é entendido pelo nosso pensador como uma instituição natural, cuja finalidade consiste na busca do bem comum, garantindo que ele efetivamente seja procurado por todos, a começar pelos que governam. De outro lado, a Igreja constituiria uma instância dotada de fins espirituais. O Estado não precisa estar subordinado à Igreja, como se ela encarnasse um Super-Estado. A subordinação do Estado à Igreja é de cunho espiritual; consiste na ordenação de uma instituição natural, como é o Estado, no contexto da finalidade sobrenatural que, em última instância, norteia a existência dos homens, finalidade sobrenatural da qual a Igreja é mensageira e salvaguarda. Trata-se de uma harmonização semelhante à que se dá entre filosofia e teologia, entre razão e fé.

Padre Francisco Suárez (1548-1617)

11 - Francisco Suárez (1548-1617) representa, no contexto da Segunda Escolástica espanhola, o esforço mais sistemático em prol da busca de um contato com a modernidade. A sua preocupação fundamental consistiu em elaborar uma metafísica da substância compatível com a ciência moderna. Não poderíamos entender a real dimensão do jesuíta Francisco Suárez, sem situá-lo no contexto do rico movimento de renovação da filosofia espanhola nos séculos XVI e XVII.

Acompanhando a consolidação da nova oikouméne ensejada pelo grande período das navegações ibéricas dos séculos XV e XVI, surge na Espanha um movimento de renovação intelectual que visa a dar fundamentação à nova ordem mundial, num Império em que "não se põe o sol", como se dizia na época.

12 - O primeiro grande esforço de renovação consistiu na formação, em Paris, de uma nova geração de pensadores que passaram a sofrer a influência do nominalismo, a nova filosofia que pretendia se abrir ao conhecimento do concreto e ao experimental, em contraposição à contemplatio medieval. Presididos pela figura pioneira do sacerdote toledado Jacobo Magnus, que chegou a ser pregador na corte do rei francês Carlos VI no período compreendido entre 1381 e 1422, encontramos, no final do século XV e ao longo do século XVI, importantes filósofos de inspiração nominalista que recebem a sua formação em Paris ou que sofrem a influência dessa escola. Mencionemos os nomes de alguns deles: Andrés Limos, Agustín Pérez de Oliván, Alvaro Thomas (português), Jerônimo Pardo, os irmãos Luis e Antonio Núñez Coronel, Gaspar Lax, Juan Dolz, Juan Lorenzo de Celaya, Juan de Gélida, Juan de Oria, Gonzalo Gil, Bartolomé de Castro, Juan Martínez Silíceo, Domingo de San Juan, Pedro Margalho (português), Cristobal de Medina, etc. O nominalismo, nesses autores, corresponde geralmente ao estabelecimento de uma teoria do conhecimento que possibilita a apreensão experimental do mundo e que se integra à rica herança do humanismo, amalgamando-a com uma versão mitigada do tomismo [Cf. G. Fraile, Historia de la Filosofía Española, Madri: BAC, 1985, vol. I, p. 327 seg.].

13 - Em Salamanca, onde desenvolveu boa parte da sua docência, Francisco Suárez recebeu essa rica influência e teve oportunidade de confrontá-la com duas tentativas de reedição do tomismo, de inspiração tradicionalista com Domingo Báñez (1528-1604) e Juan de Santo Tomás (1589-1644) e aberta a outras correntes filosóficas, incluída a escola nominalista, com Francisco de Vitoria (1492-1546), Melchor Cano (1509-1560), Domingo de Soto (1495-1560), Pedro de Sotomayor (1511-1564), Bartolomé de Medina (1527-1580) e Luis de Molina (1536-1600).

O problema com que se defrontava o nosso autor, na sua cátedra na Universidade de Salamanca, era o de formular uma nova filosofia que respondesse aos requerimentos da ciência moderna, estabelecendo, no entanto, uma ponte entre o que havia de aproveitável na metafísica do século XIII e no humanismo renascentista [cf. Fraile, Historia de la Filosofía Española, ob. cit., vol. I, p. 380-384; J. Enes, verbete "Francisco Suárez", in: Lógos, Enciclopédia Luso-Brasileira de FilosofiaLisboa/São Paulo: Verbo, 1992: p.308-317].

14 - Situada nesse contexto, a obra de Francisco Suárez pode ser apreciada em toda a sua originalidade. O pensamento do filósofo espanhol deve ser aglutinado em torno a três grandes pontos: metafísica, antropologia filosófica e filosofia política. Em seis itens pode ser sintetizado o pensamento suareziano a respeito:.

·         A - No que tange à metafísica, a obra mais representativa de Suárez  são as suas Disputationes Metaphysicae, escritas em 1597 e publicadas pela primeira vez em 1608. Com esta obra, o pensador espanhol possui o mérito de ter sido o primeiro autor europeu a formular uma sistematização metafísica rigorosa aberta à ciência moderna, portanto passível de explicar um mundo regido pela apreensão realista dos fenômenos, abandonando a perspectiva universalista das metafísicas do século XIII que privilegiavam a idéia de substância ou quidditas, e que eram caudatárias da tradição, seja mediante o ensino filosófico que se reduzia unicamente à lectio dos clássicos (Aristóteles e São Tomas), seja através da discussão de assuntos rigorosamente emergentes da problemática teológica (nas chamadas quaestiones disputatae). Suárez parte do pressuposto (tipicamente moderno, porquanto emergente de uma perspectiva antropocêntrica) de que, como ponto de partida, a filosofia deve criar a sua própria metodologia e assinalar o âmbito da sua validade, mediante a formulação de uma metafísica sistemática acorde unicamente com as exigências lógicas da razão. Somente assim, pondera o pensador espanhol, poderá ser empreendido, numa segunda etapa, com segurança e rigor, o estudo da Teologia. A sua concepção aproximava-se mais da apreensão da essência do concreto ou estidade (haecceitas), postulada pelos nominalistas ingleses João Duns Scott (1266-1308) e Guilherme de Ockham (1285-1347). A respeito, frisa o historiador das idéias Guillermo Fraile (1909-1970): "Uma nota caraterística de Suárez é a sua preocupação pelo real e concreto, evitando o conceitualismo e o abstracionismo. Esforça-se por fazer uma filosofia realista, baseada nas coisas tal como são, estudando-as em si mesmas e não em abstrações mentais. Por isso insiste em que a metafísica não somente trata de conceitos, mas que versa sobre seres reais. A idéia central da metafísica suareziana consiste na contraposição entre dois grandes classes de seres reais: o infinito e o finito, com a finalidade de estabelecer uma relação de dependência essencial e total das criaturas em relação ao seu criador" [Fraile, Historia de la Filosofía Española, vol. I, ob. cit., p. 381]. O pensador espanhol deitou, assim as bases para as metafísicas racionalistas do século XVII (de Descartes, Leibniz e Espinosa).

·         B - No terreno da antropologia filosófica, as obras mais importantes de Suárez são o tratado De Anima (cujo manuscrito data de 1572, tendo sido publicado em 1621) e De ultimo fine hominis ac Beatitudine (publicado em 1613). Contrastando com a perspectiva teocêntrica medieval, que colocava o homem numa dimensão eminentemente religiosa e universal, Suárez parte para estruturar, alicerçado na sua metafísica da realidade concreta, uma antropologia filosófica cujas duas notas caraterísticas seriam as seguintes: em primeiro lugar, que responda a uma rigorosa experiência do que é o homem de carne e osso, tal como se apresenta à experiência das ciências positivas e, em segundo lugar, que explique as caraterísticas humanas diversificadas, que estavam, na época, sendo postas em evidência graças às descobertas de novas terras.

·         C - No que diz relação à primeira exigência, o pensador salmantino parte com desassombro para a formulação de uma filosofia do homem que reflita os conhecimentos que sobre a constituição humana emergem das ciências positivas, notadamente da Medicina (Suárez discute, por exemplo, a problemática da unidade corpo-alma, à luz da hipótese dos transplantes de órgãos). No que tange à segunda exigência, o mestre espanhol interessou-se sobremaneira pelo fenômeno humano em outras culturas, tendo destacado que o norte das suas investigações no terreno era a sua razão experimental (“per viam propriae inventionis”), mais do que a tradição, embora não rejeitasse os ensinamentos da filosofia medieval, antes tentasse conciliá-los com o estado atual do conhecimento. Isso confere à obra de Suárez, no terreno antropológico, uma grande originalidade, bem como uma tensão conceitual relevante, fazendo dele um escritor dramaticamente ancorado na modernidade. A propósito, frisa Salvador Castellote (1932), na Introdução à edição espanhola do De Anima [Madrid: Sociedad de Estudios y Publicaciones, 1978, vol. I, p. LXXI-LXXII]: "A Antropologia filosófica fundamentaria as ciências, não lhes dando. certamente, de forma literal, o método que deveriam seguir,  - isso seria suprimir as ciências -, mas exercendo uma função crítica, advertindo que todo o discurso científico deve versar, em última instância, sobre a totalidade do homem. Destarte, seria talvez possível para a Antropologia filosófica proporcionar hipóteses abstratas de trabalho antropológico, deixando às ciências a sua concepção positiva. E, de outro lado, as ciências determinariam a Antropologia filosófica, fazendo-lhe entender que não é possível conhecer bem o todo sem o conhecimento prévio das partes, da mesma forma que é impossível integrar as partes sem um prévio conhecimento do todo". O mestre espanhol sintetizava esse ponto de vista no seguinte princípio: "De hominibus autem obscurum est ad quam scientiam pertineant" [“Aquilo que diz relação aos homens é obscuro quanto à ciência específica a que pertence”]. Suárez emerge, assim, como o primeiro formulador moderno de uma antropologia filosófica em diálogo com as ciências positivas, abrindo caminho para a formulação ulterior, já no século XVIII, com David Hume (1711-1776) e Immanuel Kant (1724-1804), da filosofia como crítica das ciências.

·         D - A rica abrangência da antropologia filosófica pensada por Suárez salta à vista no pensador metafísico que no século XVII melhor recebeu o seu benfazejo influxo: Gottlieb Wilhelm Leibniz (1646-1716). O pensador alemão partiu para realizar o que Suárez tinha planejado: uma filosofia do homem alicerçada numa metafísica teodiceica rigorosamente racional, em constante diálogo com as ciências e aberta às novas manifestações culturais reveladas pelos descobrimentos. É significativa dessa inspiração ecumênica a abertura de Leibniz à cultura chinesa da sua época, estudada a partir do diálogo estreito com os missionários jesuítas. Para o pensador alemão, seria possível tentar uma amálgama criativa entre cristianismo e confucionismo, como forma de dotar o mundo de dois polos de moderação, que garantissem a paz universal e o progresso: a Europa cristã, no Ocidente, e a China convertida ao cristianismo, mas sem perder o élan moral do confucionismo, no Oriente [cf. Leibniz, Writings on China, tradução ao inglês, introdução e notas de D. J. Cook e H. Rosemont Jr., Chicago: Open Court, 1994].

·         E - No que respeita à filosofia política, são representativas duas obras de Francisco Suárez: De legibus ac de Deo Legislatore (1612) e Defensor Fidei contra Jacobum Regem Angliae (1613). O cerne da sua concepção consiste na formulação do princípio da soberania popular que, difundido nas Universidades que a Espanha criou nas suas colônias americanas, ensejou o primeiro surto moderno de liberalismo autóctone, a partir do qual se iniciaram os movimentos independentistas dos comuneros (nas últimas décadas do século XVIII) e da independência (nas primeiras décadas do século XIX). Sobre essa base netamente ibérica iriam ser assimiladas, posteriormente, as idéias do liberalismo anglo-saxão e francês.

·         F - A respeito da concepção política de Suárez, escreveu Alain Guy (1918-1998), na sua Historia de la Filosofía Española [2a. edição, tradução de Ana Sánchez, Barcelona: Anthropos, 1985, p.  113-114]: "A análise do princípio de soberania é muito mais avançado (em Suárez) do que nos autores anteriores. Aqui, o poder é dado por Deus a toda a comunidade política e não somente a tal ou qual pessoa. Contra o cesarismo e os legistas, o maquiavelismo e o luteranismo, Suárez elabora, em soma, a teoria da democracia, que aprofundou ainda mais no seu Defensor Fidei. A noção de pacto ou de contrato social aparece já no doctor eximius. A comunidade política é constituída a partir de um primeiro consenso entre indivíduos ou famílias; ela pode delegar o poder a um grupo ou a uma só pessoa, mediante um segundo pacto, que Deus deixa à nossa discrição. Por regra geral a democracia, ou seja, o governo direto do povo pelo povo, será a forma mais natural de governo, e não carece de uma instituição particular, pois é conforme à espontaneidade do nosso ser. Mas pode ocorrer que (o povo) não seja capaz de exercer essa administração sem intermediário e que seja necessário recorrer a um mandatário, investido então do poder público por transferência: este pode ser um rei ou uma oligarquia. De todas as formas, a autoridade do governo fica restrita a certos limites. Se o soberano abusar da sua potestas, converte-se num tirano, contra quem é legítimo lutar. Em caso extremo, é permitido matá-lo, uma vez esgotados todos os meios para induzi-lo ao arrependimento".



Leitura 9ª – SANTO AGOSTINHO E AS BASES DA FILOSOFIA MEDIEVAL. PERIODIZAÇÃO DESTA

SANTO AGOSTINHO DE HIPONA
Vamos nos deter, inicialmente, na periodização da Filosofia Medieval, para, num segundo ponto, abordarmos o pensamento do primeiro grande pensador sistemático que abre as portas da Idade Média: Santo Agostinho.

Periodização da Filosofia Medieval

I - A Patrística (séculos II-VII) constitui o momento de preparação da meditação filosófica medieval. Caracteriza-se pelo esforço dos Padres da Igreja para edificar a doutrina cristã com o auxílio da Filosofia Antiga. O representante mais importante da Filosofia Cristã e que teve maior influência, na Antiguidade, foi Aurélio Agostinho (354-430), popularmente conhecido como Santo Agostinho. A sua obra, inspirada no Neoplatonismo, no Estoicismo, bem como na filosofia de Filon de Alexandria, é uma das principais fontes do pensamento medieval.

II - A Escolástica (séculos VIII-XIV) recebeu o nome do termo schola e designa aqueles que se ocuparam escolarmente das ciências e, particularmente, os professores que trabalhavam nas escolas das dioceses ou da corte, fundadas por Carlos Magno e, mais tarde, nas Universidades. O termo Escolástica indica, também, um método: as questões são examinadas e resolvidas racionalmente, de acordo com uma discussão em torno aos pros ou contras da hipótese enunciada.

A Escolástica pode ser dividida em quatro períodos:

A – Período de formação sob a influência bizantina e árabe (séculos 8-10).

B – Primeira Escolástica (séculos 11-12).

C – Alta Escolástica (final do século XII – século 13), em que se diferenciaram duas tradições: agostiniana (cultivada pela ordem dos Franciscanos) e aristotélica (desenvolvida pela Ordem dos Dominicanos).

D – Escolástica Tardia (século 14) em que se dá a crise da Escolástica, ao ensejo da crítica dos Filósofos Nominalistas.

Tornaram-se comuns três formas didáticas, ao longo da Idade Média: a Lição, a Questão e a Disputa. A primeira consistia no aprofundamento de uma determinada questão teológica (por exemplo, a imortalidade da alma); na discussão são seguidos quatro passos: 1 – Estado da Questão ou identificação do problema a ser debatido. 2 - Enumeração das dificuldades apresentadas na consideração dessa problemática pelas teorias em voga. 3 – Resposta à problemática levantada, à luz da doutrina cristã, com a ajuda da autoridade dos Filósofos Cristãos (Santos Padres) e Aristóteles. 4 – Resposta às dificuldades levantadas no segundo item.

A Questão consistia numa discussão livre acerca de um problema levantado, em que o mestre responde às perguntas dos discípulos, se alicerçando na Doutrina Cristã.

A Disputa consistia numa argumentação encadeada acerca de um determinado tema, em que, seguindo as regras do Silogismo formuladas por Aristóteles, é examinada uma determinada tese numa espécie de tribunal da razão, em que tomam parte um defensor, um crítico e um expositor que estabelece a mediação.

Convém destacar que, ao longo da Idade Média, terminou se estabelecendo uma hierarquia do saber ensinado nas escolas (e, após o século XI, nas Universidades). Iniciando pelas formas de saber superiores, às quais estavam submetidas, hierarquicamente, as inferiores, teríamos o seguinte quadro:

1 – Teologia.

2 – Filosofia.

3 – Direito.

4 - Medicina.

(Estas quatro disciplinas integravam, no quadro do Ensino, as denominadas Faculdades Superiores).

5 – Quadrivium Científico (Matemática, Geometria, Música e Cosmologia).

6 – Trivium Literário (Retórica, Gramática e Poética).

(Estas duas formas tinham como finalidade habilitar os jovens para, depois, entrarem nas Faculdades Superiores; constituem o que, em língua inglesa, passou a ser denominado de Liberal Arts).

Santo Agostinho de Hipona (354-430) e as bases da Filosofia Medieval

Aurélio Agostinho, nascido em Tagaste (Souk Ahras, Argélia, norte da África), conhecido como Agostinho de Hipona (foi bispo desta cidade conhecida hoje como Annaba, na Argélia), deitou as bases da Filosofia Cristã, abrindo, assim, caminho para a Idade Média. Na sua obra, no entanto, aparecem traços modernos que estarão presentes, mais tarde, em René Descartes (1596-1650), ou ainda em Edmund Husserl (1859-1938), nas análises sobre a consciência interna do tempo. Foi teólogo, filósofo e é considerado como um dos Padres da Igreja Latina, ou seja, um daqueles primeiros teólogos que sistematizaram a doutrina cristã, utilizando categorias filosóficas.

Na sua juventude, Agostinho foi bastante influenciado pelo neoplatonismo de Plotino (206-266), bem como pelo pensamento maniqueu. Depois da sua conversão ao Cristianismo, em 387, elaborou uma filosofia que utilizava categorias do Estoicismo tardio e desenvolveu uma versão da teologia cristã em que sobressaía a doutrina do pecado original e a concepção de que a Igreja seria uma espécie de “cidade de Deus” contraposta à “cidade dos homens”. Com motivo das invasões bárbaras sobre Roma, Agostinho elaborou uma filosofia da história que passaria a inspirar a gesta medieval. A missão da Igreja não seria se identificar com o Império Romano decadente, mas a sua obrigação se estenderia, pelos séculos vindouros, à tarefa de evangelizar os novos atores políticos: os bárbaros. Agostinho deitou, assim, os alicerces para o que constituiu a origem da civilização cristã-ocidental, cuja primeira etapa consistiu na conversão e doutrinação dos bárbaros.

Do ponto de vista do interesse filosófico (em que pese o fato de serem escritas sob o viés teológico), sobressaem as seguintes obras de Agostinho: Confissões, A cidade de Deus e A Trindade.

As Confissões constituem o documento mais importante para conhecer a personalidade de Agostinho.

Em doze pontos podemos sintetizar a filosofia de Agostinho sobre o homem e o conhecimento:

1 - O caminho adotado por Agostinho para o “conhecimento de si” tem como característica o seu abandono nas mãos de Deus. A respeito, escrevia Agostinho: “Só posso me conhecer a mim mesmo à luz da verdade, graças à qual sou sempre conhecido (como criatura)”. É na fé que o homem pode desenvolver a sua faculdade de conhecer. Reciprocamente, o conhecimento reforça a fé. A respeito, Agostinho frisava: “Crê para que conheças; conhece para crer”.

2 – A busca das condições do conhecimento conduz à descoberta do fundamento do saber na certeza interior da consciência. No seu esforço para superar o ceticismo, Agostinho encontrou um caminho de pensamento comparável ao que Descartes seguiria mais tarde. Eu posso me equivocar acerca das coisas fora de mim. Mas, enquanto duvido, sou consciente de mim mesmo enquanto pessoa que duvida. A certeza da minha existência é pressuposta em todo julgamento, em toda dúvida e em todo erro: “Pois se me engano, é porque existo”.

3 – Assim, a via em direção aos fundamentos da certeza conduz à interioridade. A respeito, Agostinho escrevia: “Não queiras ir fora de ti; volta-te sobre ti mesmo, pois no interior do homem habita a verdade”. O homem, ao procurar a verdade, envolve-se num movimento que o conduz sempre mais longe, ao interior de si mesmo e que constitui o ponto de partida para a ascensão ao amor de Deus. Esse movimento leva o homem do mundo exterior e sensível (fora) ao mundo interior do espírito humano (dentro) e, daí ao mais íntimo do coração. Tudo se dirige “a Deus como fundamento original da verdade em si mesma”.

4 - É no seu interior que o homem encontra certas verdades necessárias e seguras, válidas independentemente do tempo e supra individuais (por exemplo, os fundamentos da matemática e o princípio de não contradição). Essas verdades não provêm da experiência sensível, pois a sua análise mostra, pelo contrário, que elas pressupõem já idéias determinadas que não podem se tornar presentes sem uma participação intelectual. Isso vale, por exemplo, para as idéias de unidade ou de igualdade, que não encontramos, de início, na experiência sensível. Igualmente, a impressão sensível, efêmera, não é capaz de nos fornecer nenhum conceito acerca das coisas. É unicamente quando podemos conservar as imagens dessas impressões na memória, juntá-las e compará-las, que nós conseguimos chegar a uma claridade quanto à natureza das coisas sensíveis.

5 – Chegamos ao domínio das idéias mediante a Iluminação, que consiste numa projeção da luz divina sobre o nosso entendimento. A respeito, Agostinho frisava: “As verdades eternas nos são dadas graças à iluminação de Deus”. Essa ação de iluminação é comparável à projeção da luz do sol. “A força do espírito corresponde aos olhos, os objetos do conhecimento são as coisas iluminadas e a força da verdade é o sol”. Agostinho utilizava, aqui, uma imagem tomada de empréstimo à tradição neoplatônica da metafísica da luz.

6 – As idéias são os arquétipos de todos os seres no espírito de Deus. O mundo criado é a realização e o reflexo desses arquétipos. Deus cria o Mundo a partir do Nada. Isso significa que, antes da criação, não havia nem Matéria, nem Tempo. O tempo só aparece com a criação e Deus encontra-se, assim, fora da temporalidade. Se perguntar pela data do nascimento do mundo é um absurdo.

7 – Os elementos que constituem o Mundo são: a Matéria, o Tempo e a Forma (as ideias eternas). Deus criou, ao mesmo tempo, uma parte dos seres na sua forma completa (anjos, animais, astros). Quanto à outra parte das criaturas, ela é submetida à mudança (por exemplo, o corpo dos seres vivos). Para explicitar isso, Agostinho acudia à teoria das “formas fecundantes”. Essa espécie de germes originais é implantada por Deus na matéria e, a partir deles, se desenvolvem os seres vivos. É assim como se pode compreender o processo de desenvolvimento e diversificação das espécies, sem ter de levar em consideração outras causas diferentes da absoluta força criadora de Deus. O pensamento de Agostinho, destarte, não se fecha à idéia de evolução, que posteriormente foi introduzida a partir do desenvolvimento das ciências, no século 19.

8 – O homem, essência temporal em face da eternidade. Tornou-se conhecida a análise do tempo feita por Agostinho, no 11º capítulo das Confissões. O autor não ficava apenas na descrição da faculdade da consciência (memória), constitutiva da experiência do tempo. O pensador examinava, de forma radical, a constituição fundamental do ser do homem, como sendo uma essência temporal em face da eternidade da verdade. Agostinho mudou radicalmente a antiga concepção do tempo ligado ao Cosmos grego, conferindo-lhe a dimensão de uma consciência da temporalidade, interna e subjetiva. Se considerarmos o tempo como algo objetivo, ele se decompõe em momentos diferentes. Pois o passado já não é mais, o futuro ainda não é e o presente reduz-se ao instante de passagem do passado ao futuro. Temos, portanto, uma consciência da duração, uma experiência do tempo e dispomos de uma medida deste. Isso só é possível se a consciência humana possuir a faculdade de conservar, na memória, enquanto imagens, os traços que deixa a impressão sensível passageira, produzindo, assim, a idéia de duração.

9 - Três dimensões antropológicas do Tempo, decorrentes da forma em que as imagens se tornam presentes ao espírito. A primeira seria “o presente do passado” e constitui a memória; a segunda dimensão estaria constituída pelo “presente do presente” e abre espaço para a visão; a terceira dimensão identificar-se-ia com o “presente do futuro” e constitui a base da espera. Segundo Agostinho, não é correto dizer que o passado e o futuro são, pois somente a experiência do presente existe verdadeiramente, acompanhada, no espírito, de uma representação do passado e do futuro. Na consciência, medimos o tempo que nos é assim dado como um “prolongamento da alma”. No limite desse prolongamento em direção ao passado e ao futuro, as imagens se obscurecem cada vez mais. Como o espírito produz, dessa forma, as dimensões temporais, a interioridade do homem está numa espera perpétua, dividida entre a realização do futuro e a lembrança.

10 – Antropologia do tempo fundada numa Teologia da Salvação. A originalidade de Agostinho consistiu em transformar a visão platônica do tempo, definido como queda, imagem imóvel e pervertida da eternidade, numa justificação do tempo como espaço de criação e santificação, no qual a existência pode se salvar, pois ela se vincula à essência divina que a criou, tirando-a do Nada sempre ameaçador, e que puxa os homens em direção dele. Tal concepção da temporalidade supera a dimensão cíclica do tempo, presente nos mitos antigos, e abre uma nova perspectiva de tempo linear e progressista (que vamos encontrar nas Filosofias da História dos séculos posteriores, até a contemporaneidade). Para Agostinho, o Ser (Deus) nos tira do Nada e nos incita a ser e a nos livrarmos do mal ensejado pelo fluxo do tempo.

11 – Conquista da paz interior ou serenidade do espírito na espera do futuro salvador. A experiência de uma temporalidade própria, segundo Agostinho, orienta o homem em direção ao não perecível. O espírito conquista a serenidade se voltando para a verdade eterna, como frisava Agostinho, “não disperso através de uma multiplicidade sempre em movimento, mas reunido na antecipação do porvir”. Na medida em que o espírito se volta para o Deus eterno, do qual provém todo ser, o homem “participa da sua eternidade”.

12 – Essência complexa do homem, imagem da Trindade divina. O homem é, para Agostinho, “uma substância feita de corpo e alma e dotada de entendimento”. A alma, no composto humano, tem a preeminência. O “homem interior” se manifesta como unidade de uma trindade, ou seja, ele se apreende como consciência (memória), entendimento (inteligência) e vontade. O homem é, assim, imagem da trindade divina.

Questões para responder:

1 – O caminho adotado por Agostinho para o “conhecimento de si” tinha como característica básica:
o    O estudo detalhado dos seres da natureza, de acordo aos ensinamentos de Aristóteles.
o    A entrega total de si nas mãos de Deus, aceitando a Providência Divina.
o    A dúvida em relação a qualquer afirmação feita por seres humanos, de acordo à doutrina dos Céticos.
2 – No seu esforço para superar o ceticismo, Agostinho encontrou o seguinte caminho:
o    Repetir os ensinamentos dos Sofistas quando afirmavam que: “o homem é a medida de todas as coisas”.
o    Voltar aos antigos Mitos Gregos, que explicavam o Cosmo a partir do Caos Primordial.
o    Afirmar a certeza da própria existência, a partir da pressuposição de que, em toda dúvida e em todo erro, “se me engano é porque existo”.
3 – A Iluminação, para Agostinho, consistia:
o    Numa projeção da Luz Divina sobre o nosso entendimento.
o    Numa descoberta da razão prática na experiência.

o    Numa crença proveniente do Mito Triádico Grego (Caos – Céu e Terra).

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

LEITURA 8ª - CONCEITOS FUNDAMENTAIS ACERCA DO PATRIMONIALISMO E DO DESPOTISMO HIDRÁULICO

A maior obra do despotismo hidráulico: a Grande Muralha chinesa, construída pela dinastia Chin, a partir do ano 221 a.C. Com 5.000 quilômetros de comprimento´é o único objeto construído pelo homem, visível a olho nu da Lua.

As Pirâmides do Egito, construídas a partir do ano 2.550 a. C., para imortalizar os Faraós.
Os conceitos sociológicos fundamentais para entender o Estado Patrimonial foram desenvolvidos basicamente por dois grandes pensadores alemães do século XX: Max Weber (1846-1920) e Karl Wittfogel (1896-1988). Para entendermos o que se passa na América Latina no plano político, com a presença diuturna de Estados autoritários que tentam aberturas democráticas, mas que, volta e meia derrapam novamente no autoritarismo, torna-se necessário lembrarmos alguns conceitos básicos desses autores. É o que tentarei fazer nas próximas páginas, tendo como ponto referencial a exposição sumária do pensamento de ambos os sociólogos.

O Patrimonialismo contraposto ao Feudalismo, segundo Max Weber.

Max Weber entende o Estado como “uma comunidade humana que pretende, com êxito, o monopólio do uso legítimo da força dentro de um determinado território”.[1] Portanto, a noção básica de Estado, para ele, é a de violência legalizada. A política, nesse contexto, pode ser definida como o conjunto de esforços feitos com vistas a participar do poder ou a influenciar na divisão do mesmo, seja entre Estados, seja no interior de um único Estado. O poder, para Weber, pode ser valorizado em si mesmo, sem que necessariamente tenha que estar referido a outros fatores, por exemplo, os econômicos. O Estado, suposta essa concepção da política e do poder, só pode existir sob a condição de que os homens dominados se submetam à autoridade continuamente reivindicada pelos que exercem a dominação. Surgem, aí, estas questões: em que condições se submetem aqueles e por que? Em que justificativas internas e em que meios externos se apóia essa dominação?

Weber distingue três tipos puros de dominação legítima, que não se materializam, enquanto tais, mas que podem caracterizar, em maior ou em menor grau, misturando-se, as concreções históricas do Estado. Esses três tipos de dominação são: a racional, a tradicional e a carismática. Na primeira, a autoridade de quem exerce a dominação alicerça-se na crença da comunidade respectiva na legitimidade da ordem estabelecida. Na dominação tradicional, a autoridade alicerça-se na crença da comunidade em certas tradições que a consagram. Na dominação carismática, a autoridade alicerça-se na crença da comunidade no valor excepcional que para ela encarna uma determinada personalidade.

No seio da dominação tradicional, Weber distinguiu dois tipos básicos: o Patrimonialismo e o Feudalismo. No contexto deste último, prevalece o “feudalismo de vassalagem ocidental”, cujo caráter fundamental reside no fato de que o poder do nobre proprietário da terra (ou barão) não procede diretamente do soberano, ensejando, assim, relações não de subordinação pura e simples, mas de caráter contratual, que implicavam, evidentemente, numa limitação do poder deste último. O exemplo mais puro deste tipo de feudalismo é encontrado por Weber na Inglaterra, onde vários fenômenos concomitantes contribuíram para a limitação do poder do monarca, entre os quais cabe mencionar: a - a conservação da grande propriedade fundiária em mãos dos barões; b - o papel desempenhado pela gentry (classe média rural), que não se deixou burocratizar pelo príncipe; c - o poder desenvolvido pelos juízes de paz; - a participação dos notáveis no governo, graças à instituição parlamentar; - a redução, ao mínimo, da administração burocrática, etc.

O Patrimonialismo é caracterizado por Weber como aquela forma de dominação tradicional em que o soberano organiza o poder político de forma análoga ao seu poder doméstico. Ao lado da organização do poder político segundo o modelo doméstico, é igualmente essencial ao Patrimonialismo a estruturação do quadro administrativo, através do qual se exerce a dominação. Quando esse quadro recebe do soberano, ou conserva, com o consentimento dele, determinados poderes de mando e as suas correspondentes vantagens econômicas, temos o que Weber chama de dominação estamental.

A expressão mais extremada da dominação patrimonial é, para Weber, a patriarcal, que é caracterizada como pré-burocrática.  Nela, a autoridade não se baseia no dever de servir a uma “finalidade impessoal e objetiva” (como acontece na dominação racional), obedecendo a normas abstratas, mas justamente no contrário: na submissão ao pater-famílias, em virtude de uma devoção rigorosamente pessoal. A expressão original do patriarcalismo é a autoridade paterna no seio da comunidade doméstica. O Patrimonialismo é uma extensão dessa autoridade tradicional para além das fronteiras do lar, conservando o aspecto doméstico de uma administração não racional e os traços privatizantes da autoridade unipessoal e do direito costumeiro, sendo que no âmbito patrimonial, como frisa Weber, a submissão pessoal ao senhor “garante como legítimas as normas procedentes do mesmo”.[2]

Weber encontra no Antigo Egito, no Império Chinês e na Rússia Czarista três casos típicos de dominação patrimonial. O Antigo Egito foi o primeiro regime burocrático-patrimonial. Desenvolveu-se originariamente a base da clientela real. A necessidade de uma política unitária, em decorrência das condições físicas, levou a um aprimoramento burocrático mediante a ascensão da casta dos escribas e a institucionalização do trabalho compulsório da população livre nas obras públicas. O resultado desse modelo de dominação patrimonial é assim caracterizado por Weber: "Todo o território pareceu ser um só e único oikos (domicílio) real, junto ao qual, como entidades aproximadamente equivalentes, existiam unicamente os oikos (domicílios) dos sacerdotes do templo. E assim foi tratado, do ponto de vista jurídico, pelos romanos". 
[3]

Além dos trabalhos hidráulicos, feitos na China mediante um sistema de serviço compulsório dos habitantes livres, Weber salienta a presença de um fator que reforçou o Estado Patrimonial: a religião oficial. Esse papel foi desempenhado pelo confucionismo, que dava base à virtude cardeal da piedade filial, não só no meio doméstico, mas também no âmbito das relações de subordinação dos funcionários em relação ao soberano, dos funcionários inferiores em relação aos superiores e, principalmente, dos súditos perante o estamento burocrático e o monarca. Em relação ao outro caso-tipo de dominação patrimonial, o Estado russo, Weber salienta a supremacia do Czar, mediante a atomização da nobreza, graças ao sistema de sinecuras criadas pelo soberano ao redor dos cargos tschin, que estavam à testa do estamento burocrático e do exército.

Weber enfatiza o caráter centrípeto do Patrimonialismo, que conduz a pôr em prática medidas tendentes à concentração e à perpetuação do poder unipessoal do monarca. Isso leva à valorização, no contexto patrimonialista, das funções administrativas apropriadas ou controladas pelo soberano, como instrumentos que garantem o seu poder. Por isso, sob esse ângulo, o Patrimonialismo colide frontalmente com o Feudalismo, que promove a redução das funções burocráticas. A fim de controlar qualquer surto de dignidade (de autoridade baseada nos sentimentos de independência e honra das camadas nobres), a dominação patrimonial manipula as massas desprotegidas mediante o paternalismo de Estado, ensejando assim o ideal do “pai do povo”, tão comum em contextos patrimoniais, como o russo. Essa idéia associou-se à permanência do Patrimonialismo na época moderna, pelo menos no Ocidente.

Outras práticas patrimonialistas dirigidas ao fortalecimento do poder central do monarca são as cargas tributárias, a concessão de sinecuras aos servidores fiéis, o desmembramento da propriedade fundiária a fim de impedir o fortalecimento da nobreza, a divisão de competências entre os funcionários locais para que não acumulem poder excessivo, o emprego de funcionários totalmente dependentes, a organização de exércitos armados e mantidos pelo soberano (exércitos patrimoniais), a utilização, por parte do senhor patrimonial, dos serviços de intermediação por delegação aos senhores territoriais locais (no caso em que tivesse sido impossível a eliminação total da autoridade deles), etc.

O caráter de intermediação por delegação conferida pelo soberano patrimonial aos senhores territoriais locais, bem como a feição dinâmica do seu relacionamento com eles, são explicados por Weber nestes termos:

"A camada dos senhores territoriais locais exige, sempre (...), que o príncipe patrimonial não atente contra o seu próprio poder patrimonial sobre os súditos, ou o garanta diretamente. Por conseguinte, exige, sobretudo, a supressão de qualquer intervenção dos funcionários administrativos do príncipe na esfera de seu domínio, quer dizer, exige imunidade. Pela sua natureza, o senhor territorial pretende ser a autoridade por meio da qual o soberano deva entrar em relação com os súditos. À sua autoridade deve subordinar-se a responsabilidade criminal e tributária dos mesmos. A ela deve ser confiado o recrutamento militar, a arrecadação e a aplicação dos impostos. E como o senhor territorial deseja aproveitar para si mesmo a capacidade de prestação (de serviços) dos súditos (...), reduz, no possível, ou determina a parte que deve corresponder ao soberano patrimonial".[4]

Exemplo desse relacionamento – magnificamente ilustrado, aliás, por Oliveira Vianna[5] em Populações meridionais do Brasil e em Instituições políticas brasileiras – foi a administração colonial do Brasil. A utilização da força armada por parte do soberano patrimonial, é colocada por Weber em estreita relação com os serviços extraordinários que podem ser exigidos aos súditos, sendo, de outro lado, como já frisamos, um meio eficaz para garantir a dominação. O “exército patrimonial” pode ser de muito diversa procedência; essa tropa poderá compor-se de escravos dominados patrimonialmente, arrendatários, colonos, jovens recrutados dos povos submetidos, súditos recrutados por conscripção entre as massas camponesas, etc.  Oliveira Vianna faz uma detalhada análise da forma em que o patronato rural brasileiro organizou verdadeiros exércitos patrimoniais de mulatos, índios e mamelucos, para proteger o latifúndio e ampliar os seus domínios.

Frisávamos que a dominação tradicional, para Weber, abrange dois tipos fundamentais: o Patrimonialismo e o Feudalismo. A distinção entre ambos, no entanto, não é estática, mas dinâmica. Quer dizer: o trânsito das formas patrimoniais de dominação às feudais realiza-se, através da presença de elementos que se contrapõem ao poder unipessoal do príncipe, de forma que, historicamente, organizações sociais como a inglesa que, em determinados períodos, estiveram submetidas a uma dominação com fortes tendências patrimoniais podem, graças ao desenvolvimento de forças sociais novas, evoluir até formas de caráter feudal. É de capital importância salientar a importância da descoberta ensejada pelos estudos de Weber: o moderno constitucionalismo europeu veio do Feudalismo que, em alguns casos, conseguiu superar o Patrimonialismo. Assim explicaríamos as democracias sociais do continente europeu e, logicamente, a primeira materialização da democracia representativa na Inglaterra, após a Revolução Gloriosa de 1688 e o advento da Monarquia Constitucional.  Em outros países, no entanto, como na Península Ibérica e no leste europeu, a história do Patrimonialismo seria mais longa, projetando-se até os nossos dias.
Segundo o próprio Weber[6] salientou, a adoção do sistema representativo deve ser valorizada, como modalidade de fixação dos limites em que se pode exercer a violência. Em outros termos, o sociólogo alemão remete ao conceito de legitimação-dominação no contexto do governo representativo, o único que permite passar de um Obrigkeitsstaat (Estado das autoridades) de inspiração patrimonial, a um Volksstaat (Estado do povo), que revive a tradição feudal de controle moral ao poder. Mas, para isso, reconhece a necessidade de ser fortalecido o Parlamento, incumbindo-o de funções de governo e de controle sobre o aparelho burocrático do Estado, e colocando-o a salvo de vícios que poderiam esvazia-lo como, por exemplo, a adoção de uma modalidade exclusivamente corporativa de representação.

O Patrimonialismo é, portanto, passível de superação, se chegando até formas de governo que adotem a democracia representativa. Podem surgir, no entanto, elementos modernizadores que visem, apenas, aprimorar “de forma planejada a capacidade tributária” do Estado, bem como criar monopólios que funcionem racionalmente. Nesses casos, a atuação racionalizadora do Estado Patrimonial torna-se semelhante à administração burocrática, sem chegar, contudo, à superação do Patrimonialismo. O único motivo (que leva o soberano patrimonial a aceitar esse tipo de atuação racional) é o perigo representado pela concorrência de vários poderes patrimoniais inferiores. Nesse contexto, o poder patrimonial busca se apoiar nos estamentos profissionais, a fim de conjurar o risco de desestabilização do seu poder unipessoal.[7] Essa parte da doutrina weberiana ensejou, no seio da sociologia brasileira, a significativa contribuição representada pelo conceito de patrimonialismo modernizador.

Patrimonialismo e Despotismo Oriental, segundo Karl Wittfogel.

Este autor ensejou, no seio do marxismo, uma ampla discussão ao redor do conceito de despotismo oriental com a publicação, em 1957, de sua obra que leva o mesmo título[8] e que foi considerada, no mundo comunista, como assaz provocadora.[9] Marxista alemão, no primeiro pós-guerra escreveu obras teatrais, bem como estudos de sociologia geral e realizou pesquisas de história econômica e social da China (campo no qual é considerado um dos pioneiros). Durante vários anos Wittfogel foi disciplinado membro do Partido Comunista, tendo recebido de Trotsky, em 1923, a incumbência de estudar as características despóticas da Rússia czarista. No entanto, Wittfogel preferiu pesquisar, diretamente na China, o modelo asiático assinalado por Karl Marx e que foi denominado, posteriormente, de “despotismo oriental”.

Durante alguns anos, Wittfogel foi um dos especialistas do Komintern para assuntos do Extremo-Oriente, tendo colaborado em importantes revistas. Como o próprio autor confessa, desde 1920 as suas pesquisas sobre o despotismo oriental eram mal vistas por Josef Stalin, que temia ver desmascarada, pelos próprios intelectuais do Partido Comunista, a feição despótico-oriental que empolgara a Revolução Bolchevique e o regime instaurado em 1917. Em 1931, após a publicação da obra intitulada Economia e sociedade na China, Wittfogel foi censurado pelo PC, no debate realizado em Leningrado sobre o modo de produção asiático. Em 1933, o sociólogo alemão foi internado pelos nazistas num campo de concentração. Libertado, empreendeu nova viagem de estudos na China (1935-1937). Em 1938, quando Stalin condenou oficialmente a chamada “tese geográfica”, que visava censurar a teoria asiática de Marx, Wittfogel teve de se refugiar nos Estados Unidos, onde ensinou história chinesa na Universidade de Washington (em Seattle), a partir de 1945 até sua morte, ocorrida em 1988.

Wittfogel, como marxista, interessou-se pela análise acerca do modelo de produção asiática, que sempre constituiu motivo de grande perplexidade para os partidários daquela doutrina, porquanto sugere que o modelo desses modos de produção (em que se baseavam para afirmar a substituição do capitalismo pelo socialismo), somente poderia ser aplicado à Europa. Se a doutrina da seqüência histórica dos modos de produção (escravagismo, feudalismo, capitalismo, socialismo) não se revestisse de universalidade, então as famosas previsões marxistas quanto à marcha inexorável da humanidade para o socialismo ver-se-iam minadas pela base. Além disto, sendo o Estado uma criação da sociedade, como poderia dar-se o fato – expresso precisamente no modelo asiático – de que se tenha criado um Estado mais forte do que a sociedade? Radicalizando dessa forma a questão, Wittfogel iria identificar a origem do Estado mais forte do que a sociedade, nos grupos sociais que se formaram em torno das áreas irrigadas.

No detalhado estudo que o sociólogo alemão dedicou à questão, o essencial consiste no fato de que a agricultura irrigada estabelece um tipo de propriedade que não se pode transmitir por herança ou, em outros termos, que não se pode fracionar. Esse tipo de propriedade exigiu um sistema defensivo contra as populações circunvizinhas sujeitas às intempéries naturais, bem como trabalhos regulares de conservação e toda uma administração centralizada. Esses fatores ensejaram instituições políticas extremamente estatizadas e submetidas a um poder central de tipo patrimonial e absolutista. Ao fazer essa identificação, Wittfogel automaticamente ultrapassava a camisa de força em que o marxismo pretendera enquadrar a realidade, retomando a melhor tradição da sociologia alemã, iniciada por Weber.

As mais representativas manifestações das sociedades hidráulicas apareceram, segundo Wittfogel, na Índia, na China, no Meio Oriente e, no continente americano pré-colombiano, na América Central, no México e no Peru. Além disto, tais formas de organização social foram transplantadas a outras civilizações. Exemplo ilustrativo dessa incorporação de estilos governamentais despóticos (áreas geográficas que Wittfogel denomina de zonas marginais ou submarginais, em relação aos centros de economia hidráulica) são os traços encontradiços na Rússia pré-mongol e o processo ulterior de introdução do despotismo oriental naquela região do mundo, independentemente do desenvolvimento da agricultura irrigada. Tal foi o caso, também, de Bizâncio, dos califados árabes (incluída a Península Ibérica durante os oito séculos de dominação muçulmana), da Turquia otomana, etc.

Essas influências, no entanto, bem como a que, no decorrer do século XVI, proveio da Turquia otomana, não foram as responsáveis pela perda de identidade feudal da Rússia de Kiev. A influência decisiva, que destruiu a fidelidade kieviana e deitou os alicerces do Estado despótico de Moscóvia e da Rússia pós-moscovita, foi ensejada pela dominação tártara, no decorrer do século XIII até 1480, quando Ivã III tornou o Principado de Moscou independente da dominação da Horda Dourada. Embora vencidos pelos russos no século XV, os tártaros imprimiram à sociedade da Rússia fortes tendências centralizadoras e estatizantes, num contexto despótico, como os recenseamentos para fins tributários, a tendência a diminuir o poder dos nobres tornando-os funcionários públicos, a diminuição da propriedade fundiária em poder daqueles e o aumento das propriedades territoriais do Estado. Para Wittfogel, é claro que o desenvolvimento cada vez mais estatizante seguido pelo Estado russo ao longo dos séculos XIV, XV e XVI, foi conseqüência da longa dominação oriental que tinha sofrido e que o tornava “pelas suas instituições organizativas e aquisitivas, comprometido com o caminho do estatismo despótico, baseado no serviço ao Estado”.[10] Tudo isso aconteceu na Rússia de uma forma submarginal, sem que fosse necessário o desenvolvimento de uma economia hidráulica e conservando, durante vários séculos, muitas aparências feudais.

No decorrer do século XX, as mais completas materializações do despotismo asiático foram, sem sombra de dúvida, a Rússia e a China, as duas maiores expressões do Estado Patrimonial. A temida “restauração asiática” foi, para Wittfogel, o traço marcante que encarnou o totalitarismo russo, e que esvaziou de qualquer conteúdo democrático o regime instaurado a partir da Revolução de 1917. A respeito, o sociólogo alemão escreve:

"Eis o terrível segredo da revolução que Lenine concebeu e realizou. Para inúmeros intelectuais e operários em muitos países, essa revolução era um chamado à pregação do Socialismo na Rússia: um chamado a lutar por esse Socialismo e, se fosse necessário, a morrer por ele. O que acontece quando essa revolução perde a sua bandeira, o seu poder unificador? O que acontece se se comprova, segundo as próprias palavras de Lenine, que essa revolução conduz, não ao Socialismo, mas a uma nova forma de despotismo oriental? Quem, com exceção dos privilegiados, aceitaria morrer pela restauração asiática?" [11]

Referindo-se ao quadro natural da sociedade hidráulica, Wittfogel salienta que as relações entre homem e natureza nunca foram estáticas. Muito pelo contrário, o homem sempre transformou a natureza que o rodeava. Ele, frisa Wittfogel, "Não deixa jamais de agir sobre o meio natural. Ele o transforma constantemente. E utiliza forças novas todas as vezes que os seus esforços o fazem ter acesso a empresas de nível superior. (...) Em condições institucionais iguais, a diferença do meio sugere e permite – ou exclui – o desenvolvimento de formas novas de tecnologia, de subsistência, de poder social".[12]

O potencial hidráulico das regiões da terra pobres ou carentes de água atualiza-se em condições históricas bem específicas. Tais condições dão-se no momento em que o homem aprende a utilizar os processos de reprodução do mundo vegetal, materializando a possibilidade da agricultura, em regiões dotadas de recursos hídricos independentes das chuvas. É assim como surge a hidro-agricultura, ou uma agricultura de irrigação de grande escala. Semelhante atividade iria exigir administração centralizada, mais precisamente, a direção estatal. É então quando aparecem, no sentir de Wittfogel, “reunidas as condições favoráveis a formas despóticas de governo e sociedade”. Os registros históricos, por ele compulsados, evidenciam que o homem tende a um modo de vida especificamente hidráulico como reação a um meio pobre em água, num contexto em que se ache suficientemente desenvolvida a propriedade privada, longe da influência dos centros poderosos de agricultura pluvial.

Para Wittfogel é claro o seguinte princípio: em condições históricas iguais, diferenças naturais fundamentais causam, eventualmente, fortes diferenças institucionais. Esse princípio aplica-se aos casos em que o trabalho humano se desenvolve num meio de agricultura pré-industrial, com recursos hídricos diferentes das chuvas. Levando em consideração que, para a produção agrícola, são necessários elementos como plantas úteis, terra arável, umidade conveniente, temperatura apropriada e uma configuração adequada do terreno, a ação humana deve remediar a ausência de um desses fatores essenciais. Quando falta o fator umidade, a única solução é o trabalho coletivo, a fim de fazer frente à falta de água.

Apesar da importância atribuída aos fatores naturais, a aparição da economia hidráulica não é algo que acontece de maneira determinística. Pois a história, frisa Wittfogel, ofereceu sempre “uma escolha autêntica e o homem nunca foi o instrumento passivo de uma forma irresistível e unilinear, mas um ser que pensa, que participa ativamente da criação do seu futuro”.[13] Pressuposta essa liberdade humana fundamental, o autor salienta que os modelos de agricultura hidráulica consolidam-se quando uma comunidade de pioneiros descobre importantes reservas de água numa região fértil, mas carente de irrigação. Em decorrência das exigências técnicas para o controle da água, esses grupos humanos ensejam um processo institucional que conduz muito além do ponto de partida. Os seus sucessores organizam colossais estruturas políticas e sociais. E fazem isso com o sacrifício de inúmeras liberdades. Essa é a remota origem do Estado hidráulico.

Wittfogel considera que, nas sociedades regidas por um Estado hidráulico, encontram-se estas características: uma divisão específica do trabalho, intensificação da agricultura e desenvolvimento da cooperação em larga escala. A divisão do trabalho abrange vários tipos de atividade, como trabalhos preparatórios e de proteção para garantir a irrigação, bem como trabalhos pesados e indústria pesada que visam garantir a distribuição de água, mediante a construção de reservatórios e canais em grande escala. A divisão do trabalho, nas sociedades hidráulicas, abarca também outras atividades como o estabelecimento do calendário e o desenvolvimento da astronomia, ligada ao controle das águas. Encontra-se, também, uma série de trabalhos não hidráulicos (enormes estruturas defensivas, caminhos, palácios, capitais, túmulos e templos), cujas características essenciais são o estilo monumental (Grande Muralha chinesa, Pirâmides Astecas ou do Antigo Egito, etc.) e a significação estratégica para a defesa do Estado.

Referindo-se ao caráter estatal da economia hidráulica, frisa Wittfogel: “O poder do Estado hidráulico sobre os trabalhadores é maior do que o poder das empresas capitalistas”.[14] Isso porque o funcionamento das obras exigidas pela economia hidráulica necessitava de um fundo de organização que (abarcasse) o conjunto, ou, pelo menos, os nódulos dinâmicos da população do país. Em conseqüência, os administradores desse modo de organização preparam-se de uma forma excepcional para a administração do poder supremo.[15] Assim, o Estado hidráulico desempenha numerosas funções organizativas e produtivas, sendo o único motor dos grandes empreendimentos de preparação e de proteção e dirigindo grandes empresas industriais não hidráulicas. No entanto, Wittfogel salienta que o Estado hidráulico difere dos Estados totalitários modernos, pelo fato de que ele se baseia na agricultura e só dirige uma parte da economia do país. Difere, outrossim, dos Estados liberais baseados na propriedade privada industrial pelo fato de que, sob a forma original, cumpre funções econômicas no contexto do trabalho servil. Trata-se de um Estado mais forte do que a sociedade. Tal fato afeta a esta de forma profunda, pois ao controlar não só as construções hidráulicas, mas também as relações de trabalho, esse Estado desenvolve um controle social que termina por impedir a iniciativa e o poder da sociedade, impedindo às forças não governamentais de contrabalançarem o poder hidráulico centralizado.

A respeito, o sociólogo alemão frisa: "A essas forças rivais faltam os direitos à propriedade e a força organizacional que, na Antiguidade grega e romana, bem como na Europa medieval, estiveram na base do poder das forças não governamentais. Nas civilizações hidráulicas, os detentores do poder impediram o fortalecimento organizacional de todos os grupos não governamentais. O Estado chegou a ser mais forte do que a sociedade".[16]

Marquês de Pombal, Primeiro Ministro de Dom José I de Portugal. Na segunda metade do século XVIII, modernizou o Patrimonialismo do Estado português, substituindo a religião católica pela ciência aplicada a serviço do governo.

Bibliografia

PAIM, Antônio. A querela do estatismo. 1ª edição. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1978.

SOFRI, Gianni.O modo de produção asiático. História de uma controvérsia marxista. (Tradução de Nice Rissone). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977, p. 109.

VÉLEZ-RODRÍGUEZ, Ricardo. Patrimonialismo e a realidade latino-americana. Rio de Janeiro: Documenta História, 2006.

VIANNA, Francisco José de Oliveira. Populações meridionais do Brasil e Instituições políticas brasileiras. 1a. Edição num único volume. (Antônio Paim, organizador). Brasília: Câmara dos Deputados, 1982.

WEBER, Max. “A política como vocação”. In: Ensaios de Sociologia. (Tradução de Waltensir Dutra).  4a. Edição, Rio de Janeiro: Zahar, 1979, p. 98 e seguintes.

WEBER, Max. Economía y sociedad. (Tradução ao espanhol a cargo de José Medina Echavarría, et alii). 1a. Edição em espanhol. México: Fondo de Cultura Económica, 1944,  4 volumes.

WEBER, Max. “Parlamentarismo e governo numa Alemanha reconstruída. Uma contribuição à crítica política do funcionalismo e da política partidária”. In: Weber, Max, Textos selecionados. (Tradução de Maurício Tragtenberg).  2a. Edição. São Paulo: Abril Cultural, 1980, pg. 1-85. Coleção Os Pensadores.

WITTFOGEL, Karl. Oriental despotism. A comparative study of total power. Chicago University Press, 1957, 2a. Edição, 1959. Foi consultada a edição francesa intitulada: Le despotisme oriental. Étude comparative du pouvoir total.  (Versão de Micheline Pouteau). Paris: Minuit, 1977.






[1] Weber, Max. “A política como vocação”. In: Ensaios de Sociologia. (Tradução de Waltensir Dutra).  4a. Edição, Rio de Janeiro: Zahar, 1979, p. 98.
[2] Weber, Max. Economía y sociedad. (Tradução ao espanhol a cargo de José Medina Echavarría, et alii). 1a. Edição em espanhol. México: Fondo de Cultura Económica, 1944,  vol. IV, p. 131.
[3] Weber, Max. Economía y sociedad. Ob. cit., vol. IV, p. 175-178. É interessante observar como Weber já assinalava um aspecto que posteriormente foi desenvolvido por Karl Wittfogel: o dos condicionamentos geográfico-hidráulicos da dominação patrimonial. Contudo, Weber não chegou a analisar em profundidade essas variáveis, salientando, unicamente, a sua concorrência junto aos outros elementos que integram a tipologia ideal da dominação estatal-patrimonial.
[4] Weber, Max. Economía y sociedad. Ob. cit., vol. IV,  p. 188-189.
[5] Cf. Vianna, Francisco José de Oliveira. Populações meridionais do Brasil e Instituições políticas brasileiras. 1a. Edição num único volume. (Antônio Paim, organizador). Brasília: Câmara dos Deputados, 1982.
[6] Weber, Max. “Parlamentarismo e governo numa Alemanha reconstruída. Uma contribuição à crítica política do funcionalismo e da política partidária”. In: Weber, Max, Textos selecionados. (Tradução de Maurício Tragtenberg).  2a. Edição. São Paulo: Abril Cultural, 1980, pg. 1-85. Coleção Os Pensadores.
[7] Cf. Weber, Max. Economía y sociedad, ob. cit., vol. I, p. 249-252.
[8] Wittfogel, Karl. Oriental despotism. A comparative study of total power. Chicago University Press, 1957, 2a. Edição, 1959. Foi consultada a edição francesa intitulada: Le despotisme oriental. Étude comparative du pouvoir total.  (Versão de Micheline Pouteau). Paris: Minuit, 1977.
[9] Cf. Sofri, Gianni.O modo de produção asiático. História de uma controvérsia marxista. (Tradução de Nice Rissone). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977, p. 109.
[10] Wittfogel, ob. cit., p. 269.
[11] Wittfogel, ob. cit., Introdução. P. IV.
[12] Wittfogel, ob. cit., p. 24.
[13] Wittfogel, ob. cit., p. 31.
[14] Wittfogel, ob. cit., p. 66.
[15] Wittfogel, ob. cit., p. 42.
[16] Wittfogel, ob. cit., p. 69.

Questões sobre a leitura 7ª

1 – Max Weber entende o Estado:
a – Como uma instituição consolidada a partir das crenças religiosas.
b – Como uma comunidade humana que pretende, com êxito, o monopólio do uso legítimo da força dentro de um determinado território.
c – Como um conjunto de leis e instituições estabelecidas pelo Partido do Governo.

2 – No contexto da sociologia weberiana, o Estado patrimonial é entendido como:
a – A extensão de uma autoridade patriarcal tradicional para além das fronteiras do lar, conservando o aspecto doméstico de uma administração não racional e os traços privatizantes da autoridade unipessoal e do direito costumeiro.
b – A implantação de um regime legitimado pelas autoridades religiosas, que garantem o culto e o respeito ao governante.
c – A consolidação de um regime legitimado pelas urnas e pelo pluralismo político-partidário.

3 – Segundo Karl Wittfogel, as mais representativas manifestações das sociedades hidráulicas apareceram na Índia, na China, no Meio Oriente e, no continente americano pré-colombiano, na América Central, no México e no Peru. Isso aconteceu em virtude:
a – Da diversificação dessas sociedades em classes sociais que lutavam pela defesa dos seus interesses materiais.
b – Da necessidade de uma política unitária em decorrência das condições físicas da economia agrária, que levou a um aprimoramento burocrático mediante a ascensão da classe dos escribas e a institucionalização do trabalho compulsório da população livre nas obras públicas.
c – Da centralização efetivada pelo Império Romano.