1 - EPICURO DE
SAMOS (341 a.C-270 a.C)
Natural da Ilha de
Samos, viveu no período helenístico, um momento importante da evolução da
cultura grega, ao ensejo da inserção de Atenas no vasto império de Alexandre da
Macedônia. A paidéia foi substituída
por uma filosofia que buscava a realização subjetiva e pessoal e, no contexto
desta, cultivava um ideal de conhecimento que valorizava a ciência pela
ciência. É então quando surge a figura do intelectual erudito. O século II a.C
vi surgirem grandes cientistas, muitos deles ligados ao Museu de Alexandria:
Euclides, Arquimedes, Apolônio de Perga, Eratóstenes. Distanciada das
preocupações políticas da cidade-estado, a filosofia aspira ao estabelecimento
de normas universais para a conduta humana e se propõe a orientar as consciências.
O problema ético torna-se, assim o centro da especulação filosófica de
diferentes correntes de pensamento.
Ainda jovem,
Epicuro partiu para a cidade de Téos, na costa da Ásia Menor. Em Samos, tinha
sido discípulo de Pânfilo, pensador de inspiração platônica. Contavam os seus
contemporâneos que, em certa ocasião, ainda criança, ao ouvir falar do mito de
Hesíodo segundo o qual todas as coisas provieram do Caos, perguntou: “e o Caos
de onde veio?” O pensamento epicurista foi influenciado pela teoria atomística
de Demócrito de Abdera. O nosso pensador ensinou filosofia em várias cidades
(Lâmpaso, Mitilene e Cólofon), até que, por fim, se estabeleceu em Atenas, onde
fundou a sua própria escola.
As éticas helenísticas
partem à procura do bem individual de uma sabedoria que represente a plenitude
da realização subjetiva, que consiste na perfeita serenidade interior,
independentemente das circunstâncias exteriores. O bem das éticas helenísticas
terá uma acepção estritamente existencial: é o bem como sinônimo do que é bom
para o indivíduo.
No seio das várias
correntes que passaram a ser cultivadas no ciclo da Filosofia Helenística,
encontramos três caminhos para atingir a serenidade interior ou ataraxía: em primeiro lugar, o seguido
pelas escolas epicurista (Epicuro, Lucrécio) e estóica (Crisipo, Panécio, Sêneca, Marco Aurélio), que consiste em
pressupor que a ciência sobre a natureza das coisas constitui a base da moral.
Em segundo lugar, o caminho seguido pela escola
cética (fundada por Pirro de Elis), e que parte da pressuposição de que à
imperturbabilidade do espírito só se chega partindo da suspensão de qualquer
julgamento, renunciando a qualquer tipo de explicação científica,
abandonando-se toda pretensão de atingir certezas intangíveis. Em terceiro
lugar, temos o caminho representado pela escola
eclética (do qual é representante exímio o orador latino Cícero), que parte
para o estabelecimento de um critério que se sobreponha às disputas entre as
escolas, tomando o que de bom aproveitável houver em todas elas, de acordo com
a necessidade da busca da paz interior; esse bom aproveitável constituiria o
senso comum e a base para um consenso universal entre os seres humanos.
A Ética é
disciplina central da doutrina de Epicuro. Todo ser vivo busca naturalmente o
prazer e foge da dor. A meta da vida é o prazer. Ora, este consiste, para
Epicuro, na ausência de dores e de temores. No momento em que são descartadas
as penas físicas (devidas à carência ou à falta de um bem essencial), bem como
as psíquicas (decorrentes da angústia), conquista-se o prazer. O nosso autor
destaca o caráter acessível deste. Uma vez satisfeitas as necessidades
elementares (tais como fome, sede, etc.), não há mais intensificação do prazer,
mas unicamente variações do mesmo.
Epicuro divide as
sensações em três grupos: Naturais e necessárias, naturais e não necessárias e
vazias (que nascem de uma opinião falsa). A satisfação das necessidades do
primeiro grupo é acessível sem pena. Epicuro valoriza, por este motivo, a
moderação como uma virtude importante. O juízo calcula as vantagens e os
inconvenientes de acordo com um “cálculo de prazeres”. Tal cálculo é útil
porque ajuda a evitar o prazer que pode causar desprazer, em decorrência de uma
dor física ou de uma inquietação da alma. A atividade política, por exemplo,
causa tantas incertezas no curso da vida, que é preferível se recolher à vida
privada.
A alma, livre das
inquietações e das confusões, chega, assim, a um acréscimo da ausência de dores
físicas e à ataraxía, (ou seja, a uma
vida reta, sem inquietações). Para garantir a conquista da ataraxía, é necessária a prática das virtudes. O sábio
orientar-se-á, por exemplo, segundo a justiça, pois, caso contrário, não
poderia estar ao abrigo das sanções da sociedade. O que é justo consiste numa
convenção que os homens ratificam para proteger o que lhes é útil.
À luz desses
ensinamentos epicuristas, frisava o filósofo romano Cícero, um dos
representantes da chamada corrente eclética: “Devemos nos orientar segundo a
sabedoria que se oferece a nós como a nossa melhor guia”. Afastar as opiniões
falsas permite-nos superar as angústias que colocam em risco a paz interna ou ataraxía.
No que tange à
teologia, Epicuro acha que os deuses não intervêm na vida dos homens, pois eles
gozam, no Olímpio, de uma existência feliz, da qual não abrem mão para se
preocuparem com os afãs dos mortais. Epicuro não pensa que o curso do mundo
seja regido pela necessidade ou pelo destino.
2 – O ESTOICISMO
Crisipo de Soli, o fundador da Corrente Estoica |
Esta corrente
recebe o seu nome do termo stoá
(pórtico), pois eram esses lugares os preferidos pelos Estóicos para o ensino da filosofia. O
primeiro sistematizador da escola estóica foi Zénon de Citium (336-264 a.C).
Esta corrente exerce uma grande influência, como escola filosófica que vai do
Período Helenístico até a Antigüidade tardia. O Estoicismo divide-se em três
períodos: a) Antigo, formulado pelo
fundador da Escola, Zénon de Citium, pelo seu discípulo Cleantes (morto em 232
a.C) e Crisipo de Soli (281-208 a.C), que dá ao sistema clássico a sua maior
homogeneidade. Os estudiosos consideram que, se Crisipo não tivesse existido,
não haveria Estoicismo. B) Estoicismo
médio, cujos representantes foram Panécio (180-110 a.C) e Posidônio (135-51
a.C), e que se ocuparam de transmitir o pensamento estóico a Roma e atenuaram a
dureza da ética inicial. C) Estoicismo
tardio ou imperial, representado
especialmente por Sêneca (4 a.C-65 d.C), o liberto Epicteto e o imperador Marco
Aurélio (121-180), autor da obra intitulada: Tá eis eautón (= Para
si próprio), que foi traduzida sob o título de Pensamentos.
Esta obra não
possui propriamente um caráter sistemático, nem abriga a intenção de apresentar
um sistema filosófico organicamente estruturado; procura, sim, responder, em
nome de uma concepção especulativa geral, às angústias, às dúvidas, aos
sentimentos dissolventes que assaltam o espírito. Na trilha de Sêneca e
Epicteto, Marco Aurélio imprimiu à Filosofia um tom meditativo e contemplativo.
O recolhimento no interior de si próprio é a expressão do profundo desejo de
comunicação com a divindade, com a natureza e com a Humanidade. É no exercício
espiritual do diálogo consigo próprio que a razão encontra o caminho para bem
conduzir, dia após dia, uma alma perturbada pelas paixões, pelas incertezas,
pelos excessos do desejo, pelo horror do vazio e da morte.
A finalidade do Estoicismo tardio consiste em formular
uma regra para a vida, sendo, portanto, as questões morais centrais nesse tipo
de meditação. Com o Estoicismo tardio, esta corrente de pensamento converteu-se
numa espécie de filosofia popular.
As partes da
Filosofia, segundo o Estoicismo, são
as seguintes: Lógica, Física e Ética. Essa divisão não é universal no contexto da Filosofia Grega
(por exemplo, não é feita por Aristóteles). Ela se explica em decorrência do
lugar progressivamente mais importante e novo que o homem ocupa no pensamento
filosófico. A reflexão antropológica gira ao redor do conhecer (Lógica), do conhecido (Física) e do cognoscente (Ética). Os Estóicos ilustravam o sentido
das mencionadas disciplinas com a ajuda, entre outras, da imagem do pomar: a Lógica corresponde aos muros do pomar; a Física diz relação à árvore
que cresce em direção ao céu e a Ética
se refere aos frutos do jardim.
Em cinco itens
podemos sintetizar a Filosofia Estóica:
1 – A Lógica abarca, ao lado das pesquisas da lógica
formal, a teoria da linguagem, como base do conhecimento. Os Estóicos adicionaram, à silogística, mais cinco formas de
inferências hipotéticas, eventualmente disjuntivas, segundo as quais todas as
conclusões válidas devem poder se extrair. As variáveis não valem aqui para os
conceitos, mas para as proposições (= proposições lógicas). Desta forma,
- Se A
existe, então B existe. Ora, A existe. Logo B também existe.
- Se A
existe, então B existe. Ora, B não existe. Logo A tampouco existe.
- A e B
não podem existir juntas. Ora, A
existe. Logo B não existe.
- Ou A
ou B existe. Ora, A existe. Logo B não existe.
- Ou A
ou B existe. Ora, B não existe. Logo A existe.
A Filosofia da Linguagem dos Estóicos tem
por objeto o nascimento das palavras (etymología).
Eles consideravam que era possível se achar a origem de cada palavra.
Relacionavam, por exemplo, o genitivo de Deus (Theou) com o verbo dsen
(= viver).
A Teoria da Significação
dos Estóicos distinguia os seguintes conceitos: significantes, significados e
objeto real. O significante é uma
imagem sonora ligada, portanto, à voz e aos seus efeitos, como algo corpóreo. O objeto pertence também ao espaço da
física. O significado (lekton), pelo contrário, é incorpóreo,
pois é fruto de uma atividade intelectual, em decorrência do fato de que é
somente pela participação da razão que se constitui, tornando a expressão vocal
uma língua com sentido. Falar, para os Estóicos, equivale a produzir uma
expressão vocal que significa alguma coisa pensada. Ferdinand de Saussure
(1857-1913), na sua pesquisa sobre a Lingüística, retomou os conceitos dos
Estóicos acerca da linguagem.
2 – A Teoria do Conhecimento dos Estóicos tem um
perfil empirista, ao partir da base material do mesmo. Para Crisipo, a percepção
modifica o estado da nossa alma material,
ou se incrusta na nossa alma como na cera,
segundo explicava Zenon de Citium. A impressão
nascente se liga a várias percepções;
essas impressões nascentes são chamadas pelos Estóicos de prolepsis (antecipação).
Projetando-se sobre as impressões
provenientes das percepções, o logos (=
a Razão humana) forma os conceitos. Assim, completa-se a apreensão. A verdadeira apreensão de um
objeto pressupõe, então, na alma, um reflexo
fiel da natureza, que é confirmado
pela atividade da razão. O saber é,
para os Estóicos, uma compreensão (= katalépsis) inquebrantável, que não pode
ser destruída por nenhum princípio racional.
3 – A Teoria Física dos Estóicos pode ser sintetizada
assim: O Ser é designado como “aquilo que age, ou que sofre
uma ação”. Aquilo que age é o lógos;
aquilo que é passivo é a matéria (hyle).
O logos é a razão universal que empurra, tal como um sopro (pneuma) a matéria sem qualidade e
completa, assim, o seu desenvolvimento ordenado. Em todas as coisas há “núcleos
de logos” (lógoi spermatikói), ou logos criadores, nos quais está contido,
de forma potencial, o seu desenvolvimento racional. A propósito, Crisipo
escrevia: “O logos está ligado de forma indissociável à matéria; ele está
misturado a ela, penetra-a totalmente, confere-lhe forma e figura e cria,
assim, o universo”.
O elemento original
é o fogo. A partir dele se
desenvolvem os outros elementos (ar,
água, terra), bem como o universo concreto. Enquanto calor, o fogo penetra
todas as coisas e constitui o seu sopro de vida. Assim, ele é também alma e
força que ordena todas as coisas segundo a razão. Os Estóicos imaginaram um
ciclo: como o mundo surgiu de um fogo original, ele extinguir-se-á nesse mesmo
fogo. Após esta conflagração universal, o mundo das coisas individuais e
concretas renascerá novamente.
4 – Teologia estóica. Ela gira
ao redor do Logos: Deus é a força criadora primeira, a causa primeira de todas
as coisas. Ele é o Logos que abriga em si os germes racionais de todas as
coisas. O fogo que modela, o Logos que ordena ou, ainda, Zeus são caracterizados como Deus. Para
os Estóicos, o cosmo que produz toda a vida e todo o pensamento é um ser vivo
cuja alma é divina. Da racionalidade do Logos decorre uma ordem portadora de um
fim e um plano das coisas e dos acontecimentos. A propósito deste ponto,
escreve M. Forschner: “Emerge daí a ideia de um mundo teleológico perfeitamente
ordenado, no qual o encadeamento de tudo apresenta uma ordem razoável,
elaborada e posta progressivamente em marcha por uma única e idêntica força
divina”. Essa ordem determinada foi chamada pelos Estóicos de destino (eimarméne) e a sua finalidade determinada foi denominada de providência (pronóia) ou previsão.
Não podemos escapar à necessidade (ananké) no mundo.
5 – Ética estóica. Como o
curso do mundo exterior é determinado casual e teleologicamente, o homem não
pode fixar-se nos bens exteriores ou materiais. No seu poder somente resta a atitude interior. A respeito, Sêneca
escreveu: “Uma grande alma é aquela que se abandona ao destino; uma alma
mesquinha e degenerada é aquela que pretende lutar contra ele”. O espaço de liberdade exterior que resta ao
homem deve-se canalizar na adesão ao seu
destino. A finalidade do homem consiste em viver de acordo à natureza.
Assim, ele conquista a harmonia, que conduz a um desenrolar bem-sucedido da
vida e à felicidade. Esta somente
pode ser atingida quando nenhum afeto vem turbar a paz da alma. O afeto
consiste num impulso excessivo. Nasce de uma impressão à qual é atribuído um
valor falso. Torna-se, em decorrência disso, paixão (pathos). Ora,
como o homem só pode atingir dificilmente tal objeto, fica insatisfeito.
O ideal estóico é a
apatía, ou libertação dos afetos desordenados. Os
Estóicos distinguiam quatro tipos de afetos: prazer, desprazer, desejo e medo. É necessário evitar os excessos
deles com a ajuda da reta razão (orthós
lógos). Um impulso só se converte em afeto, quando a razão aprova o valor
de seu objeto. O juízo de valor justo das coisas impede desejar falsos bens, ou
cria um desgosto pelos males perigosos. Compete ao juízo fazer com que os bens
exteriores não possuam nenhum valor, em face da busca da felicidade interior. A propósito, escreve M. Hossenfelder: “O afeto
nasce quando a razão assinala ao instinto um mau objetivo, cuja negação ela
deplora”. Os Estóicos dividiam as coisas em boas,
más e indiferentes. As coisas boas são as virtudes, as más o contrário
delas (os vícios) e as indiferentes são aquelas coisas que não aportam nada à
felicidade, mas tampouco produzem infelicidade.
Igualmente, os
Estóicos distinguiam três tipos de ações: más,
que resultam de um julgamento falso; boas,
que resultam de um julgamento correto, e intermediárias, ou adequadas,
nas quais se realiza uma predisposição natural contida nelas. Estas não provêm
de nenhum julgamento, mas realizam um
bem natural.
A virtude é
essencial à felicidade. Ela é constituída pelo julgamento ético sobre o valor das coisas. É a partir dela que
surgem as outras virtudes (justiça,
coragem, etc). A virtude, enquanto conhecimento, ensina-se e não se
esquece. Não há intermediário entre a virtude e o seu contrário, pois somente
podemos agir racionalmente. Sobre a reta
razão funda-se a relação justa, em
face das coisas e dos impulsos. A harmonia conquistada é, então, a felicidade.
Uma das ideias estoicas
centrais é a teoria da atribuição (oikeiósis). Ela consiste no esforço ético do homem para tomar
consciência da sua natureza e agir de acordo com ela. O homem se atribui as
coisas que, segundo o seu juízo, são conformes à sua natureza. Em decorrência
disso, distingue-as, dividindo-as em duas categorias: as que lhe são úteis e as
que lhe são prejudiciais. Isso é feito seguindo a tendência de todo ser vivo à autossuficiência.
Ao crescer, o homem descobre a razão
como sendo a sua verdadeira essência
natural. Mas ela não é entendida de forma solipsista – como ocorrerá depois
com o cartesianismo, pois o indivíduo, para o pensamento estóico, não se
pertence a si próprio, mas também aos pais, aos amigos, etc., sendo que,
finalmente, todos estamos ligados à Humanidade.
No Estoicismo, a felicidade depende da nossa capacidade interior de
coincidirmos com o curso do mundo que, na sua essência, é inteiramente determinado. A dor provém da recusa, por
parte do homem, dessa ordem de coisas, tal como está estabelecida, ou na
cegueira, que consiste em se atribuir mais liberdade do que aquela que
realmente possuímos. As paixões negativas nascem, em nós, da inadequação entre
aquilo que o indivíduo crê e o que a razão lhe assinala. É por isso que a harmonia entre o indivíduo e o cosmo é
fonte de felicidade e decorre de uma racionalidade comum aos dois.