sexta-feira, 27 de novembro de 2015

SALVAÇÃO ANTIGA E MODERNA


Souvenirs des Andes (Tela da artista plástica colombo-canadense Janeth Rodríguez). Foto: arquivo particular.
Caros alunos, Boas Festas para vocês e as suas famílias! Espero que a nossa viagem intelectual, ao longo do semestre que ora finda, tenha sido interessante para vocês. Para mim, como sempre digo aos meus alunos, foi uma viagem que valeu a pena. Aprendi com as suas perguntas, com as suas inquietações, com a sua agitação cibernética em sala de aula, com as suas dúvidas e insatisfações. No próximo semestre tentarei ser um melhor mestre, graças a tudo isso!.

Vai, como lembrança de fim de ano, nesta antevéspera das Festas Natalinas, um reflexão filosófico-mítica. Grande abraço!

A expectativa da salvação acompanha ao ser humano desde os seus primórdios. Exprimiu-se originariamente essa tendência nos mitos soteriológicos, que são tão antigos quanto a própria Humanidade. Segundo a hipótese geralmente aceita, somos tributários da espécie sapiens sapiens, que apareceu por volta de 100.000 anos atrás. Ora, ao longo da maior parte desse período, o sentido da vida humana esteve pautado pelos mitos, sendo que, nos últimos 2.500 anos, apenas, consolidou-se uma representação de tipo lógico-dedutivo para a nossa presença no Planeta. Portanto, em pelo menos 97.500 anos vigorou, sozinha, a representação mítica, como bússola que explicava o que acontecia. Não é de estranhar, assim, que os mitos exerçam ainda grande fascinação sobre o imaginário do homem, como de maneira muito clara deixou explicado Leszek Kolakowski na sua obra A presença do Mito (Brasília: Un. B., 1985).

Ciência e Filosofia surgiram 500 anos antes de Cristo, na Jônia, no Mediterrâneo Oriental, nos ensinamentos dos Pre-socráticos, os primeiros a elaborarem uma cosmovisão pautada pela razão, como tradução das tipologias originárias dos mitos. Ao contrário do que pensavam os racionalistas, a representação mítica não foi abolida nem pela ciência nem pela filosofia. Immanuel Kant, o maior filósofo da era moderna, destacou, na sua Crítica da Razão Pura (tradução de Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão, Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1985) , que a nossa mente é, apenas, faculdade ordenadora do real, não podendo, portanto, a busca da verdade ser desenvolvida senão a partir da experiência. Caberia, portanto, à razão, o importante (mas limitado) papel de organizar racionalmente os dados hauridos da experiência, a partir das categorias a priori do entendimento puro. No entanto, o gênio de Königsberg deixava uma porta aberta para a imaginação fabuladora: a denominada, por ele, de razão dialética, aquela de que fazemos uso quanto, cansados do cotidiano conhecer sensorial, nos alçamos ao reino sedutor da fantasia, e tecemos representações que estariam de acordo com os nossos segredos anseios de imortalidade, de ordem, de beleza. É aí que emerge a representação metafísica, que se espraiou, ao longo dos últimos vinte séculos, na seara da arte, da religião e da filosofia, como acertadamente pensou o mais importante discípulo de Kant, Georg Wilhelm Hegel.

Nós, homens do século XXI, precisamos dos mitos. Eles alimentam o imaginário popular e dão vestes às nossas crenças fundamentais. Eles são formatadores do nosso agir, pois, seguindo o pensamento de Ortega, agimos menos em função daquilo que pensamos, e mais em decorrência daquilo em que acreditamos. O mito soteriológico que pautou a civilização ocidental é o da encarnação do Filho de Deus em Belém. Ele emerge de um fato histórico essencial, que dividiu em dois a contagem do tempo humano: o nascimento de Jesus, na manjedoura, naquela fria noite dessa afastada cidadezinha da província da Judéia, Belém, submetida ao governador romano Cirino, da Síria. Santo Agostinho, na sua Cidade de Deus, deu caráter sistemático ao relato bíblico, fazendo girar o redor do mesmo a gesta salvadora do Cristianismo. A partir da reflexão dos Santos Padres, que recolheram a tradição presente nos Evangelhos, estruturou-se o anúncio da boa nova: Jesus, Filho de Deus, nasceu, morreu e ressuscitou, e com a sua ressurreição garantiu o nosso acesso à salvação. Essa é a essência da pregação cristã primitiva, aquela em que foram evangelizados os Bárbaros, que fizeram implodir, com as suas multitudinárias invasões, o decadente Império Romano. Queiramos ou não, a Civilização Ocidental é fruto dessa pregação que, como destacou François Guizot na sua História da civilização européia (1827), veio compor a dialética que explica a história da Idade Média, estruturada, segundo ele, ao redor do binômio: ordem romana-liberdade bárbara. A partir da pregação do Cristianismo e da sua disseminação pela Europa afora e, daí, para o resto do mundo, estruturaram-se os valores fundamentais da Civilização Ocidental, dentre os que se destacam o culto à razão e o respeito à pessoa humana, como centro da vida social. Retomando a herança do Cristianismo, Immanuel Kant soube conferir, à moral moderna, um fundamento que traduzia esse valor essencial de respeito à pessoa humana, no imperativo categórico que reza assim: trata sempre a pessoa como fim e nunca como meio.

Mas é também o culto à razão um dos valores fundantes da Civilização Ocidental. Essa é a herança helenística, que se vinculou, em Alexandria, entre o I e o III séculos, ao legado da tradição judaico-cristã de valorização da pessoa. Santo Agostinho, com a sua filosofia da história que quebrou a concepção cíclica do tempo e a substituiu pela visão linear e progressista, foi um dos que contribuíram para essa criadora mistura de que emergiu o painel de valores fundamentais do Ocidente. Depois, na Idade Média, encontramos a valiosa contribuição de Santo Tomás de Aquino, com a sua teoria da pessoa, entendida como “substância individual de natureza racional”. A pessoa humana, individualizada, esse é o centro de atenção que deve prevalecer na sociedade. Nela ancoram os direitos fundamentais à vida, à liberdade, às posses (como depois, no século XVII, pensou John Locke, pai da filosofia liberal, no seu clássico Segundo tratado acerca do governo civil, publicado em 1689). A salvação do homem, na temporalidade, a sua verdadeira libertação, foi entendida como desenvolvimento livre da consciência individual e como criação das instituições sociais que garantiriam, a todos os nossos semelhantes, o seu crescimento como seres livres e conscientes.

Na modernidade, em pleno século XVIII, Jean-Jacques Rousseau, no seu Contrato social, pensou uma outra modalidade de libertação. O homem, naturalmente bom, é corrompido pela sociedade. Deve ser purificado do vício do individualismo, mediante uma catarse que elimine todos os traços de egoísmo presentes na defesa dos interesses individuais, para renascer e se transformar em “homem novo”, mediante a purificação exercida, sobre ele, pelos “puros”, aqueles que renunciaram aos seus interesses individuais para se identificarem com o “bem público”. Potencializadas essas idéias de uma gnose salvadora mediante o poder total, exercido por uma minoria sobre o resto da sociedade, surgiu, pela mão de Saint-Simon, na sua obra O novo cristianismo, no início do século XIX, o messianismo político moderno, que, no século XX, se sobrepôs ao ideal cristão de uma libertação centrada na autoconsciência e na liberdade individual, para tornar todos os homens reféns do poder total exercido por uma minoria. As experiências totalitárias de que o século XX é trágica testemunha vieram encarnar essa nova modalidade “salvífica”, que nega a liberdade e a consciência da pessoa. Onde quer que encontremos, hoje, um partido político, uma seita ou um governo, que nos apresenta o ideal da felicidade social como fruto do constrangimento da liberdade e da autoconsciência, exercido sobre as pessoas por um aparelho burocrático, devemos reconhecer a imagem deformada da salvação ao estilo de Rousseau et caterva. Isso vale para os aiatolás iranianos, para os teólogos da libertação (Ernesto Cardenal, Leonardo Boff, frei Betto, etc.), para os comunistas cubanos e de outras latitudes e para os populistas latino-americanos, notadamente os lulopetistas, no nosso amado Brasil.

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Leitura 11ª -PENSADORES RENASCENTISTAS: GALILEU GALILEI


A meditação filosófica da Renascença é rica e variada. Poderíamos destacar uma característica marcante do pensamento nesse período: a sua ânsia de renovação e de expansão, livre já do controle teológico que vingou na Idade Média, notadamente durante o século XIII. A filosofia, a arte, a ciência, a política, sentem-se desimpedidas para trilhar o seu próprio caminho. A Renascença é o eclodir desse surto de criatividade e de liberdade.

Os ideais desse período são sintetizados no chamado Humanismo. Em que consiste esse fenômeno? Ivan Lins (1904-1975) responde na sua obra Erasmo, a Renascença e o Humanismo (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,  1967, p. 96): "Consiste no estudo das boas letras e, particularmente, das letras gregas e latinas. Deve-se, entretanto, notar, com Brentano, que, em fins do século XV, quando adquiriu pleno surto, consistiu o humanismo, essencialmente, no cultivo dos conhecimentos que visavam à felicidade e ao aperfeiçoamento do homem, em oposição às cogitações dos teólogos, os quais, voltados para Deus, consideravam a Terra passageiro exílio. Dessa oposição típica entre o homem e Deus, entre a Terra e o Céu, tirou o humanismo o seu nome".

Representante significativo do pensamento Renascentista foi Galileu Galilei. Nasceu em Pisa, em 1564. Matriculou-se na Escola de Artes da sua cidade, em 1581, com a finalidade de estudar medicina. Contudo, não terminou o curso e dedicou-se aos estudos da matemática, que eram os seus prediletos, ao lado da observação dos fenômenos físicos. Em 1589 foi nomeado catedrático de matemática na Universidade de Pisa. Em 1604, após longos períodos de experimentação na Torre Inclinada da cidade natal, Galileu formulou a lei da queda livre dos corpos, elemento básico para a mecânica racional. Em 1610 deu início às suas observações astronômicas e passou a trabalhar em Florença, sendo protegido de Cosimo II de Médici. A descoberta, por Galileu, das manchas solares, acarretou para ele a ira dos teólogos, porquanto a hipótese do nosso autor colocava em risco a suposição da harmonia cósmica e da perfeição dos corpos que integravam as camadas superiores do Céu, que deveriam ser constituídos de “matéria pura”, sem manchas. As autoridades vaticanas obrigaram-no a não mais ensinar as teorias de Copérnico, bem como as hipóteses levantadas sobre as manchas solares. Durante algum tempo Galileu ficou calado. Mas, em 1623, após polêmica com um padre jesuíta acerca da natureza dos cometas, Galileu voltou a insistir nas suas observações, criticando acirradamente as observações de Aristóteles acerca do cosmo. Os teólogos romanos voltaram à carga, obrigando Galileu a se apresentar no Tribunal do Santo Ofício. Condenado pela Inquisição romana em junho de 1633, nosso autor foi obrigado a abjurar acerca das suas teorias científicas, a fim de não sofrer a tortura a que tinha sido submetido, em 1600, outro grande cientista e pensador, Giordano Bruno. Recolhido à sua casa, o nosso autor dedicou-se, nos últimos anos de vida, a reescrever alguns dos seus livros. Faleceu em 1642.

Estas são as principais obras de Galileu: Defesa contra as calúnias e imposturas de Baldessar Capra (1607), Mensageiro celeste (1610), Discurso sobre as coisas que estão sobre a água (1612), História e demonstrações sobre as manchas solares (1612), Discurso sobre o fluxo e refluxo do mar (1616), Diálogo sobre os dois maiores sistemas (1623), O Ensaiador (1623), Discurso sobre duas ciências novas (1638).

Elementos fundamentais da filosofia galileana acerca do conhecimento.

Em cinco pontos podem ser resumidos os aspectos fundamentais da Teoria do Conhecimento de Galileu:

1. Aspecto fundamental da contribuição de Galileu: a fundamentação do método científico. Este teria, no sentir do pensador, quatro passos básicos, que seriam, em primeiro lugar, a observação dos fenômenos, tal como estes são apreendidos pelo observador, afastados os preconceitos extracientíficos; em segundo lugar, a formulação da hipótese, como explicação tentativa que deveria ser confirmada; em terceiro lugar, a experimentação, em virtude da qual toda afirmação sobre fenômenos naturais deveria ser verificada, mediante a produção do fenômeno em determinadas circunstâncias, ou mediante a observação sistemática dos fatos objeto da ciência e, em quarto lugar, a formulação da lei, que seria possível graças à identificação de regularidades matemáticas na natureza.

O estudioso brasileiro José Américo Motta Peçanha sintetizou, da seguinte forma, o alcance da contribuição galileana, no terreno da ciência e da filosofia: “Formulando esses princípios, Galileu estruturou todo o conhecimento científico da natureza e abalou os alicerces que fundamentavam a concepção medieval do mundo. Destruiu a idéia de que o mundo possui uma estrutura finita, hierarquicamente ordenada, e substituiu-a pela visão de um universo aberto, indefinido e até mesmo infinito. Em lugar de conceber o mundo como dividido em duas partes, uma superior, constituída pelo Céu, e outra inferior, a Terra em que vive o homem, mostrou que todos os objetos físicos devem ser concebidos como sendo da natureza e tratados de modo idêntico, pelo menos por aqueles que desejam conhecer cientificamente o Universo. Pôs de lado o finalismo aristotélico, segundo o qual tudo aquilo que ocorre na natureza ocorre para cumprir desígnios superiores; e mostrou que a natureza é, fundamentalmente, um conjunto de fenômenos mecânicos, tal como afirmara Demócrito na Antigüidade. Demonstrou o engano do espírito puramente lógico e dedutivo da filosofia aristotélico-escolástica, quando aplicado à explicação dos fenômenos físicos. E mostrou, finalmente, que o livro do universo está escrito em caracteres matemáticos e que sem um conhecimento dos mesmos, os homens não poderão compreendê-lo” [José Américo Motta Peçanha, “Galileu, vida e obra”, in: Galileu, O Ensaiador, tradução de Helda Barraco et alii, São Paulo: Nova Cultural, 1987, pg. VIII-IX].

2. Adoção do ponto de vista cinemático, que antecipava a perspectiva transcendental kantiana, o que tornou Galileu o fundador da física moderna. O ponto de vista cinemático é caracterizado pelo físico e filósofo belga Jean Ladrière em dois pontos: em primeiro lugar, interesse centrado no estudo dos fenômenos observados, mediante o método experimental e a matematização dos dados obtidos; em segundo lugar, abandono definitivo da preocupação em torno às causas dos fenômenos, que remeteria à existência de uma substância oculta sob os mesmos.

Galileu firmou, no terreno das ciências, uma nova maneira de abordar os fenômenos, não como véus que ocultam a substância, na busca de uma pretensa realidade metafísica (tá metà tà fysikà), mas como algo que deve ser observado e que constitui o real apreendido pelos nossos sentidos. A propósito dessa contribuição galileana, escreveu José Américo Motta Peçanha: “Galileu tornou-se o criador da física moderna, quando enunciou as leis fundamentais do movimento; foi também um dos maiores astrônomos de todos os tempos, pelas observações pioneiras que fez com o telescópio. Essas descobertas, contudo, foram resultado de uma nova maneira de abordar os fenômenos da natureza, e nisso reside sua importância dentro da história da filosofia. No campo das idéias filosóficas, Galileu é mais importante pelas contribuições que fez ao método científico, do que propriamente pelas revelações físicas e astronômicas encontradas em suas obras” [Motta Peçanha, ob cit., p. IX].

3. Valorização das matemáticas como instrumento para o conhecimento científico: Galileu estabeleceu um nexo indissolúvel entre ciência e matematização da natureza. As matemáticas, segundo o pensador, aproximariam a nossa razão do entendimento divino, numa retomada da via mística dos pitagóricos e do neoplatonismo. No entanto, tanto em Galileu como posteriormente em Newton, as matemáticas estavam também inseridas numa exigência epistemológica diferente da cultuada na Antigüidade: se bem esse tipo de conhecimento nos aproximasse da Inteligência Divina, no entanto, elas permitiam a tradução exata dos fenômenos naturais apreendidos pela experiência.

Em relação a essa valorização do conhecimento matemático, Galileu frisava: “O intelecto humano compreende algumas proposições tão perfeitamente e tem tão absoluta certeza, quanto pode ter a própria natureza; e isso ocorre nas ciências matemáticas puras das que o intelecto divino sabe, não obstante, infinitas proposições a mais, pois as sabe todas; mas das poucas entendidas pelo intelecto humano, creio que o seu conhecimento iguala-se à certeza objetiva divina, porque chega a compreender a necessidade, sobre a qual não parece poder existir segurança maior” [Galileu, citado por Rodolfo Mondolfo, in: Figuras e idéias da filosofia na Renascença, tradução de Lycurgo Gomes da Motta, São Paulo: Mestre Jou, 1967, p. 130].

Rodolfo Mondolfo destacou, por sua vez, o caráter de exatidão que as matemáticas possuem segundo Galileu, insistindo em que nesse aspecto, bem como na possibilidade de todos os homens terem acesso a esse tipo de conhecimento, consiste propriamente a “divindade” postulada. A respeito, afirma Mondolfo: “Ao privilégio atribuído pelos místicos aos poucos eleitos que podem chegar ao arroubo do êxtase, substitui-se (...) uma possibilidade aberta a todos os que submetem a sua mente aos processos e métodos do pensamento científico” [Mondolfo, ob. cit., p. 130].

4. Exaltação da liberdade de pensamento, como condição necessária para a ciência. Galileu, bem como os restantes filósofos do período Renascentista, notadamente Giordano Bruno, Leão Hebreu e Leonardo da Vinci, insiste em que, sem liberdade, perde-se o maior bem que um homem pode ter na face da Terra: o conhecimento das leis da natureza como manifestações da presença divina no Cosmo e o reconhecimento, no próprio homem, de que na luz da razão, livremente exercida, reside a sua maior dignidade.

5. Defesa da ética do cientista: buscar diuturnamente a verdade científica e comunicá-la com fidelidade aos seus semelhantes. Esse é o tema que prevalece na obra de Galileu, O Ensaiador. No seguinte trecho dessa obra, o pensador e cientista italiano deixa claro que, para fazer ciência, é necessário se afastar do argumento de autoridade e da busca pura e simples da popularidade, a fim de partir, com coragem, para a exploração da natureza, para interpretar os fenômenos da mesma com a ajuda da matemática. Frisa a respeito Galileu, ao rebater as maquinações de Lotário Sarsi, um dos seus detratores: “Parece-me também perceber em Sarsi sólida crença que, para filosofar, seja necessário apoiar-se nas opiniões de algum célebre autor, de tal forma que o nosso raciocínio, quando não concordasse com as demonstrações de outro, tivesse que permanecer estéril e infecundo. Talvez considere a filosofia como um livro e fantasia de um homem, como a Ilíada e Orlando Furioso, livros em que a coisa menos importante é a verdade daquilo que apresentam escrito. Senhor Sarsi, a coisa não é assim. A filosofia encontra-se escrita neste grande livro que continuamente se abre perante nossos olhos (isto é, o universo), que não se pode compreender antes de entender a língua e conhecer os caracteres com os quais está escrito. Ele está escrito em língua matemática, os caracteres são triângulos, circunferências e outras figuras geométricas, sem cujos meios é impossível entender humanamente as palavras; sem eles nós vagamos perdidos dentro de um obscuro labirinto” [Galileu, O Ensaiador, ob. cit., p. 21]