SANTO AGOSTINHO DE HIPONA |
Periodização da
Filosofia Medieval
I - A Patrística (séculos II-VII) constitui o
momento de preparação da meditação filosófica medieval. Caracteriza-se pelo
esforço dos Padres da Igreja para edificar a doutrina cristã com o auxílio da
Filosofia Antiga. O representante mais importante da Filosofia Cristã e que
teve maior influência, na Antiguidade, foi Aurélio Agostinho (354-430),
popularmente conhecido como Santo Agostinho. A sua obra, inspirada no
Neoplatonismo, no Estoicismo, bem como na filosofia de Filon de Alexandria, é
uma das principais fontes do pensamento medieval.
II - A
Escolástica
(séculos VIII-XIV) recebeu o nome do termo schola
e designa aqueles que se ocuparam escolarmente das ciências e, particularmente,
os professores que trabalhavam nas escolas das dioceses ou da corte, fundadas
por Carlos Magno e, mais tarde, nas Universidades. O termo Escolástica indica, também, um método:
as questões são examinadas e resolvidas racionalmente, de acordo com uma
discussão em torno aos pros ou contras da hipótese enunciada.
A Escolástica pode ser dividida em quatro períodos:
A – Período de formação sob a
influência bizantina e árabe (séculos 8-10).
B – Primeira Escolástica
(séculos 11-12).
C – Alta Escolástica (final do
século XII – século 13), em que se diferenciaram duas tradições: agostiniana
(cultivada pela ordem dos Franciscanos) e aristotélica (desenvolvida pela Ordem
dos Dominicanos).
D – Escolástica Tardia (século 14)
em que se dá a crise da Escolástica, ao ensejo da crítica dos Filósofos
Nominalistas.
Tornaram-se comuns três formas didáticas, ao longo da
Idade Média: a Lição, a Questão e a Disputa. A primeira consistia no aprofundamento de uma determinada
questão teológica (por exemplo, a imortalidade da alma); na discussão são
seguidos quatro passos: 1 – Estado da
Questão ou identificação do problema a ser debatido. 2 - Enumeração das
dificuldades apresentadas na consideração dessa problemática pelas teorias em
voga. 3 – Resposta à problemática levantada, à luz da doutrina cristã, com a
ajuda da autoridade dos Filósofos Cristãos (Santos Padres) e Aristóteles. 4 –
Resposta às dificuldades levantadas no segundo item.
A Questão consistia
numa discussão livre acerca de um problema levantado, em que o mestre responde
às perguntas dos discípulos, se alicerçando na Doutrina Cristã.
A Disputa
consistia numa argumentação encadeada acerca de um determinado tema, em que,
seguindo as regras do Silogismo formuladas por Aristóteles, é examinada uma
determinada tese numa espécie de tribunal da razão, em que tomam parte um
defensor, um crítico e um expositor que estabelece a mediação.
Convém destacar que, ao longo da Idade Média, terminou
se estabelecendo uma hierarquia do saber ensinado nas escolas (e, após o século
XI, nas Universidades). Iniciando pelas formas de saber superiores, às quais
estavam submetidas, hierarquicamente, as inferiores, teríamos o seguinte
quadro:
1 – Teologia.
2 – Filosofia.
3 – Direito.
4 - Medicina.
(Estas quatro disciplinas integravam, no quadro do
Ensino, as denominadas Faculdades Superiores).
5 – Quadrivium Científico (Matemática, Geometria,
Música e Cosmologia).
6 – Trivium Literário (Retórica, Gramática e Poética).
(Estas duas formas tinham como finalidade habilitar os
jovens para, depois, entrarem nas Faculdades Superiores; constituem o que, em
língua inglesa, passou a ser denominado de Liberal
Arts).
Santo Agostinho de Hipona
(354-430) e as bases da Filosofia Medieval
Aurélio Agostinho, nascido em Tagaste (Souk Ahras, Argélia, norte da África), conhecido como Agostinho de
Hipona (foi bispo desta cidade conhecida hoje como Annaba, na Argélia), deitou
as bases da Filosofia Cristã, abrindo, assim, caminho para a Idade Média. Na
sua obra, no entanto, aparecem traços modernos que estarão presentes, mais
tarde, em René Descartes (1596-1650), ou ainda em Edmund Husserl (1859-1938),
nas análises sobre a consciência interna do tempo. Foi teólogo, filósofo e é considerado
como um dos Padres da Igreja Latina, ou seja, um daqueles primeiros teólogos
que sistematizaram a doutrina cristã, utilizando categorias filosóficas.
Na sua juventude, Agostinho foi bastante influenciado
pelo neoplatonismo de Plotino (206-266), bem como pelo pensamento maniqueu.
Depois da sua conversão ao Cristianismo, em 387, elaborou uma filosofia que
utilizava categorias do Estoicismo tardio e desenvolveu uma versão da teologia
cristã em que sobressaía a doutrina do pecado original e a concepção de que a
Igreja seria uma espécie de “cidade de Deus” contraposta à “cidade dos homens”.
Com motivo das invasões bárbaras sobre Roma, Agostinho elaborou uma filosofia
da história que passaria a inspirar a gesta medieval. A missão da Igreja não
seria se identificar com o Império Romano decadente, mas a sua obrigação se
estenderia, pelos séculos vindouros, à tarefa de evangelizar os novos atores
políticos: os bárbaros. Agostinho deitou, assim, os alicerces para o que
constituiu a origem da civilização cristã-ocidental, cuja primeira etapa
consistiu na conversão e doutrinação dos bárbaros.
Do ponto de vista do interesse filosófico (em que pese
o fato de serem escritas sob o viés teológico), sobressaem as seguintes obras
de Agostinho: Confissões, A cidade de Deus e A
Trindade.
As Confissões constituem o documento
mais importante para conhecer a personalidade de Agostinho.
Em doze pontos
podemos sintetizar a filosofia de Agostinho sobre o homem e o conhecimento:
1 - O caminho
adotado por Agostinho para o “conhecimento de si” tem como característica o seu
abandono nas mãos de Deus. A respeito, escrevia Agostinho: “Só posso me conhecer a mim mesmo à
luz da verdade, graças à qual sou sempre conhecido (como criatura)”. É na fé
que o homem pode desenvolver a sua faculdade de conhecer. Reciprocamente, o
conhecimento reforça a fé. A respeito, Agostinho frisava: “Crê para que conheças; conhece para crer”.
2 – A busca das
condições do conhecimento conduz à descoberta do fundamento do saber na certeza
interior da consciência. No seu esforço para superar o ceticismo, Agostinho encontrou um
caminho de pensamento comparável ao que Descartes seguiria mais tarde. Eu posso
me equivocar acerca das coisas fora de mim. Mas, enquanto duvido, sou
consciente de mim mesmo enquanto pessoa que duvida. A certeza da minha
existência é pressuposta em todo julgamento, em toda dúvida e em todo erro: “Pois se me engano, é porque existo”.
3 – Assim, a via
em direção aos fundamentos da certeza conduz à interioridade. A respeito, Agostinho
escrevia: “Não queiras ir fora de ti;
volta-te sobre ti mesmo, pois no interior do homem habita a verdade”. O
homem, ao procurar a verdade, envolve-se num movimento que o conduz sempre mais
longe, ao interior de si mesmo e que constitui o ponto de partida para a
ascensão ao amor de Deus. Esse movimento leva o homem do mundo exterior e
sensível (fora) ao mundo interior do
espírito humano (dentro) e, daí ao
mais íntimo do coração. Tudo se dirige “a Deus como fundamento original da
verdade em si mesma”.
4 - É no seu
interior que o homem encontra certas verdades necessárias e seguras, válidas
independentemente do tempo e supra individuais (por exemplo, os fundamentos da
matemática e o princípio de não contradição). Essas verdades não provêm da
experiência sensível, pois a sua análise mostra, pelo contrário, que elas
pressupõem já idéias determinadas que não podem se tornar presentes sem uma
participação intelectual. Isso vale, por exemplo, para as idéias de unidade ou de igualdade, que não encontramos, de início, na experiência sensível.
Igualmente, a impressão sensível, efêmera, não é capaz de nos fornecer nenhum
conceito acerca das coisas. É unicamente quando podemos conservar as imagens
dessas impressões na memória, juntá-las e compará-las, que nós conseguimos
chegar a uma claridade quanto à natureza das coisas sensíveis.
5 – Chegamos ao
domínio das idéias mediante a Iluminação, que consiste numa projeção da luz
divina sobre o nosso entendimento. A respeito, Agostinho frisava: “As verdades eternas
nos são dadas graças à iluminação de Deus”. Essa ação de iluminação é
comparável à projeção da luz do sol. “A força do espírito corresponde aos
olhos, os objetos do conhecimento são as coisas iluminadas e a força da verdade
é o sol”. Agostinho utilizava, aqui, uma imagem tomada de empréstimo à tradição
neoplatônica da metafísica da luz.
6 – As idéias
são os arquétipos de todos os seres no espírito de Deus. O mundo criado é a
realização e o reflexo desses arquétipos. Deus cria o Mundo a partir do Nada.
Isso significa que, antes da criação, não havia nem Matéria, nem Tempo. O tempo
só aparece com a criação e Deus encontra-se, assim, fora da temporalidade. Se
perguntar pela data do nascimento do mundo é um absurdo.
7 – Os elementos
que constituem o Mundo são: a Matéria, o Tempo e a Forma (as ideias eternas). Deus criou, ao mesmo tempo,
uma parte dos seres na sua forma completa (anjos, animais, astros). Quanto à
outra parte das criaturas, ela é submetida à mudança (por exemplo, o corpo dos
seres vivos). Para explicitar isso, Agostinho acudia à teoria das “formas fecundantes”. Essa espécie de germes originais é implantada por Deus
na matéria e, a partir deles, se desenvolvem os seres vivos. É assim como se
pode compreender o processo de desenvolvimento e diversificação das espécies,
sem ter de levar em consideração outras causas diferentes da absoluta força
criadora de Deus. O pensamento de Agostinho, destarte, não se fecha à idéia de
evolução, que posteriormente foi introduzida a partir do desenvolvimento das
ciências, no século 19.
8 – O homem,
essência temporal em face da eternidade. Tornou-se conhecida a análise do tempo feita por
Agostinho, no 11º capítulo das Confissões. O autor não ficava
apenas na descrição da faculdade da consciência (memória), constitutiva da experiência
do tempo. O pensador examinava, de forma radical, a constituição fundamental do
ser do homem, como sendo uma essência temporal em face da eternidade da
verdade. Agostinho mudou radicalmente a antiga concepção do tempo ligado ao Cosmos grego, conferindo-lhe a dimensão
de uma consciência da temporalidade, interna e subjetiva. Se considerarmos o
tempo como algo objetivo, ele se decompõe em momentos diferentes. Pois o
passado já não é mais, o futuro ainda não é e o presente reduz-se ao instante
de passagem do passado ao futuro. Temos, portanto, uma consciência da duração, uma experiência do tempo e dispomos de uma medida deste. Isso só é possível se a consciência humana possuir a
faculdade de conservar, na memória, enquanto imagens, os traços que deixa a
impressão sensível passageira, produzindo, assim, a idéia de duração.
9 - Três
dimensões antropológicas do Tempo, decorrentes da forma em que as imagens se
tornam presentes ao espírito. A primeira seria “o presente do passado” e constitui
a memória; a segunda dimensão estaria
constituída pelo “presente do presente” e abre espaço para a visão; a terceira dimensão identificar-se-ia
com o “presente do futuro” e constitui a base da espera. Segundo Agostinho, não é correto dizer que o passado e o
futuro são, pois somente a experiência do presente existe verdadeiramente,
acompanhada, no espírito, de uma representação do passado e do futuro. Na
consciência, medimos o tempo que nos é assim dado como um “prolongamento da
alma”. No limite desse prolongamento em direção ao passado e ao futuro, as
imagens se obscurecem cada vez mais. Como o espírito produz, dessa forma, as
dimensões temporais, a interioridade do homem está numa espera perpétua,
dividida entre a realização do futuro e a lembrança.
10 –
Antropologia do tempo fundada numa Teologia da Salvação. A originalidade de Agostinho
consistiu em transformar a visão platônica do tempo, definido como queda,
imagem imóvel e pervertida da eternidade, numa justificação do tempo como
espaço de criação e santificação, no qual a existência pode se salvar, pois ela
se vincula à essência divina que a criou, tirando-a do Nada sempre ameaçador, e
que puxa os homens em direção dele. Tal concepção da temporalidade supera a
dimensão cíclica do tempo, presente nos mitos antigos, e abre uma nova
perspectiva de tempo linear e progressista (que vamos encontrar nas Filosofias
da História dos séculos posteriores, até a contemporaneidade). Para Agostinho,
o Ser (Deus) nos tira do Nada e nos incita a ser e a nos livrarmos do mal
ensejado pelo fluxo do tempo.
11 – Conquista
da paz interior ou serenidade do espírito na espera do futuro salvador. A experiência de uma
temporalidade própria, segundo Agostinho, orienta o homem em direção ao não
perecível. O espírito conquista a serenidade se voltando para a verdade eterna,
como frisava Agostinho, “não disperso através de uma multiplicidade sempre em
movimento, mas reunido na antecipação do porvir”. Na medida em que o espírito
se volta para o Deus eterno, do qual provém todo ser, o homem “participa da sua
eternidade”.
12 – Essência
complexa do homem, imagem da Trindade divina. O homem é, para Agostinho, “uma substância
feita de corpo e alma e dotada de entendimento”. A alma, no composto humano,
tem a preeminência. O “homem interior” se manifesta como unidade de uma
trindade, ou seja, ele se apreende como consciência
(memória), entendimento (inteligência) e vontade. O homem é, assim, imagem da trindade divina.
Questões para responder:
1 – O
caminho adotado por Agostinho para o “conhecimento de si” tinha como
característica básica:
o
O estudo detalhado dos seres da natureza, de acordo aos ensinamentos de
Aristóteles.
o
A entrega total de si nas mãos de Deus, aceitando a Providência Divina.
o
A dúvida em relação a qualquer afirmação feita por seres humanos, de
acordo à doutrina dos Céticos.
2 –
No seu esforço para superar o ceticismo, Agostinho encontrou o seguinte
caminho:
o
Repetir os ensinamentos dos Sofistas quando afirmavam que: “o homem é a
medida de todas as coisas”.
o
Voltar aos antigos Mitos Gregos, que explicavam o Cosmo a partir do Caos
Primordial.
o
Afirmar a certeza da própria existência, a partir da pressuposição de que,
em toda dúvida e em todo erro, “se me engano é porque existo”.
3 – A
Iluminação, para Agostinho, consistia:
o
Numa projeção da Luz Divina sobre o nosso entendimento.
o
Numa descoberta da razão prática na experiência.
o
Numa crença proveniente do Mito Triádico Grego (Caos – Céu e Terra).
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