segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Leitura 9ª - OS FILÓSOFOS DA CORRENTE HELENÍSTICA (II): NEOPLATONISMO (PLOTINO), FILOSOFIA TEOLÓGICA (FÍLON DE ALEXANDRIA), CETICISMO (PIRRO E SEXTO EMPÍRICO)

 I - PLOTINO (206-266) E O NEOPLATONISMO


O Neoplatonismo constitui o último grande sistema da Antigüidade. Com ele, os filósofos remontam, numa perspectiva especialmente cosmológica, a Platão, juntando as teses deste pensador às de Aristóteles (384-324 a.C) e os Estóicos. As figuras mais representativas do Neoplatonismo foram:

- Ammônio Saccas (175-242), mestre de Plotino e fundador da Escola de Alexandria.

- Plotino, o verdadeiro fundador do Neoplatonismo.

- Proclo (410-185) que deu ao Neoplatonismo a sua maior coerência doutrinária e sistemática.

Plotino seguiu as lições de Ammônio Saccas em Alexandria. Instalou-se, depois, em Roma e abriu ali uma escola que teve grande sucesso, especialmente junto ao imperador Galieno (253-268), que tinha projetado construir uma cidade chamada “Platonôpolis”.

A filosofia de Plotino está sintetizada nas Enéadas, que foram organizadas, em seis volumes, pelo seu discípulo Porfírio (232-304). Essa obra descreve a ascensão em direção ao Um e a descida a partir dele. Este Um (en) é descrito por Plotino como o Bem e constitui a unidade absoluta ou a plenitude. É dele que provém todo ser, bem como toda beleza. Ser nenhum existe fora dessa relação com o Um. Plotino utiliza a imagem do sol. Escreve a respeito: “A luz está inseparavelmente ligada ao sol. Não é possível separá-la dele. De maneira análoga, o Ser não pode se separar de sua fonte, o Um”.

O pensamento de Plotino pode ser sintetizado nos seguintes seis pontos:

1 - Posto que o Um é unidade absoluta, um acesso mais direto a ele, conceitualmente mais diferenciado, é impossível. A respeito, Plotino escreve: “Não dizemos: é isso que é o Um, a fim de evitarmos enunciar o Um como atributo de um sujeito diferente do Um. Nome nenhum lhe convém. No entanto, posto que é preciso nomeá-lo, é conveniente chamá-lo de o Um, mas não no sentido de que seja uma coisa portadora do atributo do Um. O Um é mais conhecido pelo seu efeito, que é o Ser”.

2 - O Um transborda por causa de sua superabundância, processo que Plotino descreve como “brilhar em forma de raios” ou “emanação”.  O nível supremo pertencente ao Ser metamorfoseia-se num estado inferior. Nesse processo, este estado perde, ao se expandir, unidade e plenitude, até que o Ser forma, com a Matéria, o mundo dos corpos.

3 - Desse processo nasce o Espírito (nous). Ele representa a esfera das idéias, ou seja, dos arquétipos eternos de todas as coisas. É por isso que ele é o ser existente mais elevado. Esse mundo inteligível converge em direção ao Um, mas em si ele se diferencia, pois, como frisa Plotino, “O pensamento do espírito necessita da separação do pensante e do pensado e da diferenciação dos objetos entre eles”. A maturidade do Espírito guarda o fruto da Alma. A propósito, frisa Plotino: “Como a palavra é o reflexo do pensamento, assim a Alma é o reflexo do Espírito”.

4 - Em tanto que efeito do Espírito, a mais alta atividade da Alma consiste na visão do mesmo Espírito. A Alma vincula as esferas do espiritual às esferas do temporal e material. Em relação a este ponto, escreve Plotino: “Em tanto que Alma do Mundo, ela penetra, forma e anima o Cosmo, conferindo ao Mundo a sua harmonia”. Essa Alma do Mundo possui ou encerra em si as Almas Individuais, que se unem à Matéria para formar, assim, os objetos particulares do Mundo material.

5 - Plotino descreve a Matéria como o Nada. Ela é, em si, sem forma e vazia. Ela se encontra na máxima distância da luz do Um, de forma que Plotino fala da “obscuridade da Matéria”. Escreve a respeito: “A união da Matéria e da Alma turva a visão desta última pelo Espírito e pelo Um, do qual ela provém”. A ascensão em direção ao Um é vista, por Plotino, como um processo de purificação. O impulso desse movimento é dado pelo Amor (eros) à Beleza e ao Um originais. A ascensão conduz à contemplação. A respeito, escreve Plotino: “A arte, por exemplo, ao passar pela percepção da beleza sensível, conduz até a apreensão da Beleza da forma pura, contida nela mesma”.

6 - A Alma supera o mundo das sombras dos corpos e retorna ao Espírito. A libertação mais elevada é a êxtase ou submissão imediata à contemplação do Um. Mas o homem conta, também, com duas outras possibilidades libertadoras, de caráter mediato: a contemplação artística, que conduz ao Espírito e, de outro lado, o conhecimento, que conduz, também, ao Espírito.

II – FILOSOFIA TEOLÓGICA:  FÍLON DE ALEXANDRIA (20 a.C-50 d.C)


Aspectos que se destacam na obra de Fílon: ele adotou, em primeiro lugar, um projeto filosófico-teológico; em segundo lugar, formulou uma teoria acerca dos três planos de que se compõe a realidade e, em terceiro lugar, partiu para identificar o caminho pelo qual podemos chegar ao Absoluto, que consiste no conhecimento de Deus pelas suas obras.

1 – Projeto filosófico-teológico.  Fílon tentou traduzir o conjunto doutrinário contido no Antigo Testamento, considerado como um todo coerente e articulado, em termos das grandes correntes da sabedoria helênica e helenística, procurando convergências com a Revelação judaico-cristã. Baseado na versão grega do texto bíblico denominada Dos Setenta Septuaginta (LXX), Fílon interpretou o texto tanto alegórica como literalmente. Ele considerava a tradução grega da Bíblia tão inspirada por Deus como o original hebraico, e defendendo que as versões hebraica e grega deveriam ser tratadas “com temor e reverência, como irmãs, ou antes como uma e a mesma coisa, tanto no assunto como nas palavras” (De Vita Mosis 2.40)[1].

Para efetivar a sua nova interpretação do texto bíblico, Fílon recorreu, de forma predominante, às filosofias platônica e aristotélica, bem como à estóica, selecionando as soluções por elas propostas e partindo para um ousado esforço hermenêutico dos textos bíblicos. O Antigo Testamento, em que geralmente se alicerçou, foi interpretado seguindo três graus de alegoria: a - sentido cosmológico (referente à natureza), b - sentido psíquico (relativo ao espírito humano) e c - sentido mítico (apontando aspectos ocultos ou misteriosos da vida divina).

2 – Três planos da realidade. O primeiro plano, para Fílon, estava constituído por Deus e pelo Logos. O pensador definia Deus como o Ser, interpretando metafisicamente as palavras de Yahvé a Moisés no Êxodo: “Eu sou o que sou” e “Eu sou Aquele que é”. Deus é a realidade suprema, transcendente, não redutível ao mundo. O Logos é a primeira obra de Deus e Lhe está subordinado; é anterior ao mundo dos arquétipos, criados previamente como modelos do mundo material, também criação de Deus. O Logos é o Demiurgo, imagem e sombra de Deus. O segundo plano da realidade estava constituído pelos mediadores criados, situados abaixo do Logos, os Anjos. Eles são colaboradores por ordem de Deus na construção do mundo dos arquétipos, e superiores a estes. “Anjos” é o nome dado, também, aos espíritos que podem se unir a um corpo, tornando-se, assim, almas dos homens. O Homem e o Mundo constituem o terceiro plano da realidade, o mais inferior por estar vinculado à matéria.

3 – Conhecimento de Deus pelas suas obras. Inatingível na sua Essência, Deus pode ser conhecido, na sua Existência, graças às suas obras, que são de dois tipos: a – a existência de perfeições finitas no mundo exterior (que pressupõem, à maneira platônica, a existência de uma Perfeição Infinita); b – a ação divina no interior do homem, pela profecia.


III – CETICISMO (PIRRO DE ELIS E SEXTO EMPÍRICO)


Pirro de Elis (365-275 a.C), acompanhou Alexandre o Grande (356-323 a.C) na expedição à Índia


Sexto Empírico (200-250 d.C), sistematizador da Corrente Cética

Esta corrente de pensamento foi formulada, inicialmente, por Pirro de Elis (365-275 a.C). Ulteriormente, a doutrina recebeu formatação sistemática de Sexto Empírico (200-250 d.C).

Destaquemos alguns aspectos biográficos acerca destes pensadores. Pirro nasceu em Elis (cidade situada no noroeste do Peloponeso) e acompanhou Alexandre o Grande (356-323 a.C) na sua expedição à Índia. Ao regressar, foi nomeado pelos seus concidadãos “Grande Sacerdote de Elis”. O único escrito que restou do pensador foi uma ode dedicada a Alexandre. Pirro pertencia a uma família humilde e as inúmeras viagens de juventude, certamente, contribuíram para que aperfeiçoara os seus conhecimentos. Discípulo de Pirro, em Elis, foi Timon Silógrafo (320-230 a.C), poeta satírico que se instalou em Atenas, onde divulgou os ensinamentos do mestre. Ulteriormente, Enesidemo (80-10 a.C), seguidor de Pirro, fundou uma escola em Alexandria, na qual ensinou as doutrinas do filósofo, compiladas na obra que levou o título de Discursos Pirrónicos, que deram ensejo à corrente denominada, genericamente, de “pirronismo”. Dentre os seus ensinamentos, Pirro formulou os dez tópicos ou motivos de dúvida do ceticismo antigo.
Não se conhece o lugar de nascimento de Sexto o “Empírico”, assim chamado pela sua prática da medicina. Viveu em Atenas, Alexandria e Roma. Os seus escritos foram muito influenciados pelos ensinamentos de Pirro e Enesidemo e estavam dirigidos contra a dogmática, ou doutrina filosófica que pretendia conhecer a verdade absoluta, tanto no relativo à moral quanto no que diz relação às ciências. Duas obras se conservaram da lavra de Sexto Empírico: os Esboços Pirrónicos e Contra os Matemáticos. A respeito da doutrina cética, Sexto Empírico escrevia, na primeira das obras mencionadas: “O ceticismo é a faculdade de opor, de todas as formas possíveis, entre si, as aparências (ou fenômenos)  e os conceitos. A partir daí, nós chegaremos, em virtude da força igual das coisas e das razões contrapostas, à suspensão do juízo e, posteriormente, à ataraxia (ataraxía)”. 
Nos seguintes cinco itens podemos sintetizar a doutrina cética:

1 - O ponto de partida do ceticismo de Pirro é a relação entre a suspensão do juízo (epoch = epoché) e a paz da alma (ataraxia). Toda inquietação provém da obrigação de conhecer e de conferir valor às coisas. A crença dogmática nos bens ou nos males naturais produz, no homem, confusão e angústia. A respeito, frisava Pirro: “Quando os céticos suspendem o seu julgamento e atingem a indiferença, a paz da alma se segue como a sombra segue o corpo”.

2 - O ceticismo de Pirro fundamenta a suspensão do juízo sobre a natureza das coisas, no “conflito das coisas equivalentes (isosqenie = isosthenie)”, que é caracterizado assim por este pensador: “Para cada enunciado podemos pensar um enunciado oposto equivalente”. Os céticos buscam as possibilidades de uma oposição suscetível de fazer advir a epoch (epoché). Para que aconteça esse estado mental, um fenômeno ou um pensamento é comparado com um fenômeno ou um pensamento contrários. Com a finalidade de pôr em prática esse tipo de oposição, Sexto Empírico apresentou três tropos ou três formas lógicas de relatividade:

É relativo:

Aquele que julga, pois os seres vivos, os homens, os órgãos sensíveis e as circunstâncias são diferentes, no momento em que se produz a percepção.

Aquilo que é julgado, pois os objetos parecem diferentes, de acordo com a sua quantidade. Mesmo os costumes e os usos da vida dos povos são diversos.

Aquele que julga e aquilo que é julgado ao mesmo tempo, pois, dependendo da sua posição, o observador vê coisas diferentes. Um dos dois (observador e observado) tem algo de confuso ou impuro. A freqüência do fenômeno determina, também, a sua importância.

3 - O ceticismo exprime a dúvida fundando-a,  metodicamente, em palavras de ordem (fonai = fónai), tais como: “não totalmente”, “pode ser”, “tudo é indefinido”, etc. A validade destas palavras é não-dogmática, ou seja, aberta à dúvida. A Escola Pírrica atinha-se, estritamente, ao fenômeno, que o cético, em geral, não podia rejeitar ou julgar. De acordo às hipóteses céticas, o homem deveria não somente se abster de formular juízos definitivos, como também de agir. Ora, sendo isso impossível, o cético deveria se nortear de acordo à experiência da vida cotidiana. Desse contexto formam parte os costumes aceitos, bem como as técnicas utilizadas pelas comunidades humanas. A respeito, Sexto Empírico escrevia: “Submetendo-nos (de forma não dogmática) a esses parâmetros, podemos passar do julgamento à ação”.

4 – Sexto Empírico sustentava a hipótese de que a epoch (epoché) não poderia ser radical, ao ponto de suspender todos os conhecimentos. Assim, defendia uma ética do senso comum. Embora, como pirroniano, aceitasse a indiferença (adiajora = adiaphora) em face das soluções morais, reivindicava, também, a importância da experiência empírica. Por esse motivo, considerava que a vida prática dever-se-ia nortear por quatro guias: a experiência da vida, as indicações que recebemos da natureza através dos sentidos, as necessidades do corpo e as regras das artes. O filósofo criticava o silogismo, que era considerado, por ele, como um círculo vicioso e contraditava, também, a noção de signo, tão cara aos estóicos. Criticava, outrossim, a teologia estóica, destacando as contradições que abrigava a noção de divindade, pois se tudo quanto existe é corpóreo (como acreditavam os estóicos), Deus não poderia deixar de ser material e, portanto limitado (deixando, portanto de ser Deus).

5 - Com Arcésilas (315-240 a.C) a Nova Academia de Atenas tomou um rumo renovado, influenciada pelo pirronismo. A finalidade da epoch (epoché) seria, antes de mais nada, o conhecimento certo. Os céticos da Nova Academia disputaram com os estóicos a propósito da existência de representações catalépticas, que nos obrigam a aderir a elas. Não existem critérios de verdade, mas unicamente de probabilidade. As representações somente podem ser críveis, ou também sem impedimento, ou seja, que não estejam em contradição com alguma representação. A certeza mais provável aparece quando a representação é totalmente examinada.




[1] Cf. “Filon, um exegeta e intérprete da Escritura”, in: http://chreia.net/filon/?p=191 .

Nenhum comentário:

Postar um comentário